Entenda como funcionam alguns dos direitos da mulher no país da Copa do Mundo
(Marie Claire, 28/06/2018 – acesse no site de origem)
A Rússia, país-sede da Copa do Mundo 2018, é muito mais do que as coloridas catedrais de Moscou e São Petersburgo. Recentemente, o caso dos brasileiros assediando uma mulher russa levantou o questionamento: como é ser mulher no país?
A Rússia não é conhecida por abraçar as causas das minorias, possui leis anti-LGBT e, mesmo assim, ainda supera o Brasil em um quesito: dos direitos reprodutivos da mulher.
Em 1920, três anos após o início da Revolução Russa, que deu origem à União Soviética, o aborto foi descriminalizado, passando por algumas regulamentações ao decorrer dos anos, mas ainda é permitido em todas as circunstâncias quando realizado até a 12ª semana da gravidez.
Fabíola Sucasas, promotora de Justiça do Estado de São Paulo, explica que, apesar da permissão, grupos religiosos têm se articulado para reverter a situação. O patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Cirilo I, assinou em 2016 um pedido para proibir totalmente a prática no país. O texto conseguiu mais de 300 mil assinaturas, mas o aborto segue permitido e regulamentado.
A Rússia, assim como o Brasil, é um país laico, portanto não deveria haver abertura para que correntes religiosas interferissem em assuntos estatais, explica Fabíola. “Misturar Igreja e Estado pode trazer riscos à proteção dos direitos humanos. O uso da crença não pode e não deve justificar nenhuma violação a eles”, afirma ela.
Proibições trabalhistas
Enquanto a mulher russa tem autonomia sobre a gravidez, o cenário não é o mesmo no trabalho. A legislação do país proíbe que mulheres trabalhem em 456 ocupações e 38 ramos da indústria, como por exemplo mergulhadoras profissionais, paraquedistas e motoristas de ônibus, trabalhos considerados “muito árduos, perigosos ou nocivos à saúde das mulheres, sobretudo a sua saúde reprodutiva”, mesmo que elas tenham a formação necessária para o cargo.
Em 2016, o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra Mulheres (CEDAW), da Organização das Nações Unidas, solicitou a revisão das regulações trabalhistas que fazem essas proibições, mas ainda não houve resultados.
O pedido do comitê teve início por conta do caso de Svetlana Medvedeva. Graduada em Navegação Marítima, a russa aplicou-se para uma vaga de capitã em navios de uma empresa e, apesar de ter se destacado no processo seletivo, recebeu uma resposta negativa, pois o cargo estava na lista do governo de profissões “perigosas ou nocivas” e banidas às mulheres. Com o apoio da ONU, ela venceu no papel, mas a Justiça não fez com que a empresa a contratasse e nem mudou a legislação.
Violência contra a mulher
Em fevereiro de 2017, o presidente Vladimir Putin sancionou uma lei polêmica que despenaliza a violência doméstica e dá “carta branca” para homens baterem em suas mulheres, desde que não deixem marcas ou quebrem ossos. A pena para o agressor que não descumprir os requesitos é uma multa ou trabalho voluntário. Caso a agressão aconteça novamente no período de um ano, ele pode ser preso, porém é a própria vítima que deve coletar e apresentar evidências da violência.
“Não tenho dúvidas que a mudança legislativa da Rússia é lamentável e um imenso retrocesso no que diz respeito ao enfrentamento da violência de gênero contra as mulheres”, lamenta Fabíola.
Ela explica que o Mapa da Violência de 2015 aponta que o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio, enquanto a Rússia está em 4º. “A Rússia já foi criticada pelo comitê da CEDAW em razão da falta de legislação apropriada e implementação de políticas adequadas para o enfrentamento da violência contra as mulheres e a violência doméstica.”
Para Fabíola, o retrocesso russo traz à tona a realidade da vulnerabilidade à violência em que as mulheres estão inseridas e frisa que esse tipo de lei é uma violação aos direitos humanos. Isso sem levar em consideração a violência psicológica, igualmente nociva às mulheres. “Entender como atos criminosos de violência doméstica apenas aqueles que causem lesões físicas nas vítimas torna as outras espécies de violência algo banal, que não tenha nenhuma relevância ou relação com as demais”, diz.
Laura Reif