A instituição escolheu manter-se no seu caminho Ad immortalitatem. O Brasil dos muitos brasis decidiu pela arte, por belas e emocionantes histórias, pela valorização da sua pluralidade
Se há alguma instituição que congrega profissionais de uma mesma área com mais vultos históricos do que a Academia Brasileira de Letras (ABL), eu – “apenas um rapaz latinoamericano sem dinheiro no banco…”– desconheço. Essa casa foi fundada por Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, Graça Aranha, Ruy Barbosa, Visconde de Taunay, Joaquim Maria Machado de Assis, dentre outros, e continua a sua missão de promoção e defesa da língua portuguesa.
(Biblioo, 11/09/2018 – acesse no site de origem)
A literatura brasileira sempre foi exaltada interna e externamente. O mundo pôde se maravilhar com livros excepcionais, escritos por brasileiras e brasileiros ilustres, desde os tempos imperiais. Só para título de conhecimento – caso não saiba -, trago alguns dos nomes da nossa literatura, conhecidos mundo a fora: Cora Coralina, Milton Hatoum, Cecília Meireles, Carlos Drumond de Andrade, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Ana Maria Machado, Oswald de Andrade, Graciliano Ramos, Machado de Assis, Jorge Amado, dentre – infinitamente – muitos outros!
Vultos históricos não faltam na nossa literatura e, como não poderia deixar de ser, muitos dos nomes supracitados tinham – têm, já que são imortais -, assento nas poltronas da Academia Brasileira de Letras. A ABL ganhou notoriedade ao longo dos tempos pelo seu excelente trabalho em prol da língua portuguesa. Essa instituição atuou fortemente para a consolidação do idioma praticado no Brasil e do resto do mundo lusófono. Por isso, penso ser digna de loas a atuação da Academia.
O Brasil é o maior país do mundo cujo idioma oficial é o português. Nós sabemos como é formada a base social brasileira e, felizmente, o mundo reivindica representação em todas as áreas da sociedade. O nosso país é multicultural, porém essa multiculturalidade toda não se faz presente em todas as áreas da sociedade brasileira.
Certa vez, em alguma sala de aula das muitas que freqüentei, ouvi que os números ajudam na confiabilidade de um texto, seja ele científico, ensaístico ou opinativo. Se assim o é – e eu concordo que sim -, vamos aos números deste texto. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira é composta aproximadamente de 51% mulheres, dentre as quais não brancas são mais que a metade desse contingente. Em suma, o Brasil é um país feminino e não branco!
A Academia Brasileira de Letras levou 80 anos para admitir a primeira mulher em suas fileiras. Oitenta anos! Isso não quer dizer que não existiu iniciativa de mulheres para entrar na Academia. A primeira tentativa foi, na verdade, na década de 1930 do século passado. Raquel de Queiroz foi a primeira a ganhar a alcunha de imortal, concedida pela ABL. Com ela, obtiveram essa glória dada aos mortais, apenas mais sete escritoras: Dinah Silveira de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Zélia Gattai, Ana Maria Machado, Cleonice Berardinelli e Rosiska Darcy.
Bom, a despeito da quantidade de mulheres na sociedade brasileira, a ABL escolheu valorizar a figura e as obras masculinas. Afirmo que foi uma escolha, pois, até a metade do século XX, o estatuto previa a imortalidade “apenas [à] brasileiros que tenham, em qualquer gênero da literatura, publicado obras de reconhecimento ou mérito…”. O português permite incluir em brasileiros, homens e mulheres (somos 207 milhões de brasileiros), mas, na interpretação da ABL – à época – a expressão do estatuto se referia apenas aos homens.
Dos 51% de mulheres no Brasil, um pouco mais que a metade é constituída de não brancas. Você já pode imaginar como é o tratamento dessa camada da sociedade na perspectiva da Academia… 80 anos foram precisos para se admitir a primeira mulher. 121 anos depois da sua fundação, uma mulher negra, com obras publicadas com reconhecimento e mérito, teve a sua solicitação para ingresso na Academia negada!
Maria da Conceição Evaristo, mineira de nascimento, migrou para o Rio de Janeiro na década de 1970. Lá graduou-se em Letras pela UFRJ, mestrado em Literatura Brasileira pela PUC/RIO e doutoramento em Literatura Comparada pela UFF. Autora de obras aclamadas pela crítica e pelo público, como Ponciá Vicêncio, Beco da memória, Poemas da recordação, Olhos d’água, dentre outros, ela já participou de eventos, feiras, simpósios, palestras… no Brasil e no exterior.
Conceição é grande, é de um valor inestimável para a literatura brasileira. Sua presença é celebra em vários setores da sociedade, porém, outros preferem manter o seu Olimpio tropical, emoldurado por colunas estilo coríntia, plantado no coração do Centro da antiga capital federal. A pluralidade da sociedade brasileira não se faz presente na Academia Brasileira de Letras, independente se a obra foi aclamada ou não, até por que, é preciso ser majoritariamente homem, e quando não, exclusivamente branco!
O ser humano já chegou à lua; mandou sondas para explorar planetas e constelações; decifrou códigos linguísticos milenares; conquistou os mares, montanhas, os pólos do globo terrestres… O ser humano já fez coisas que há anos era impossível imaginar, organizou-se em sociedades em nome da própria sobrevivência, mas, parece não ser capaz de superar as barreiras criadas pela própria sociedade, barreiras essas que valorizam e desprezam pessoas pela tonalidade da sua pele, pela condição de gênero, devido sua condições sócio-econômicas.
A Academia Brasileira de Letras escolheu manter-se no seu caminho Ad immortalitatem – ruma à imortalidade. O Brasil dos muitos brasis decidiu pela arte, por belas e emocionantes histórias, pela valorização da sua pluralidade, por Maria da Conceição Evaristo!