Pesquisas mostram que 1 em cada 5 mulheres já fez um aborto antes dos 40 anos no Brasil.
(HuffPost Brasil, 24/09/2018 – acesse no site de origem)
Em 28 de setembro, ações de ativistas em todo o mundo comemorarão o Dia Mundial de Ação pelo Acesso ao Aborto Legal e Seguro. Como vários outros países da América Latina e do Caribe, o Brasil está imerso em um vigoroso debate público sobre o aborto após a recente audiência no STF (Supremo Tribunal Federal). O Código Penal brasileiro ainda restringe severamente o acesso ao aborto legal. Mas o fato de a questão estar sendo discutida abertamente, inclusive na campanha presidencial, e de as mulheres estarem vindo a público para compartilhar suas histórias de interrupção da gravidez, já é um passo significativo.
Sob o Código Penal brasileiro, o aborto é ilegal, exceto em casos de estupro, ou quando necessário para salvar a vida da mãe, ou quando o feto sofre de anencefalia, uma má formação cerebral congênita fatal. Ativistas lutam há anos para amenizar as restrições ao aborto no país, alegando com base em evidências que a criminalização não ajuda a reduzir o número de abortos; ela apenas leva mulheres a arriscarem sua saúde e suas vidas ao interromperem a gravidez clandestinamente.
Leis que criminalizam o aborto criam um clima de medo e estigma.
O julgamento do STF pode expandir muito o acesso ao aborto seguro no Brasil. Em março de 2017, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), com apoio da organização não-governamental Anis – Instituto de Bioética, ingressou com uma ação contra a criminalização do aborto no Brasil nas primeiras 12 semanas de gravidez.
Em agosto, especialistas de todo o mundo testemunharam perante a corte em Brasília, argumentando que a descriminalização do aborto é um imperativo de saúde pública e de direitos humanos. A audiência foi televisionada, e ativistas de todo o mundo mostraram sua solidariedade com as mulheres e meninas brasileiras, postando no Twitter e Facebook a hashtag #NemPresaNemMorta.
Uma importante ativista por direitos reprodutivos e professora de direito, Debora Diniz, enfrentou ameaças de morte no período que antecedeu a audiência e teve que receber proteção policial. Ainda assim, ela testemunhou no primeiro dia da audiência, recusando-se a ser silenciada. Uma pastora luterana, Lusmarina Campos Garcia, também recebeu ameaças de morte depois de ter falado na audiência em favor dos direitos reprodutivos. Dezenas de líderes religiosos expressaram apoio a ela em uma carta aberta.
Pesquisas mostram que uma em cada cinco mulheres já fez um aborto antes dos 40 anos.
Leis que criminalizam o aborto criam um clima de medo e estigma, forçando mulheres e meninas em uma gravidez não planejada ou indesejada a avaliarem suas opções totalmente sozinhas, muitas vezes sem apoio ou informações confiáveis de profissionais da saúde. Mas as mulheres e meninas no Brasil estão lutando contra esse estigma e compartilhando histórias de suas experiências com o aborto.
Uma dessas mulheres é Rebeca Mendes, que corajosamente solicitou ao STF permissão para realizar um aborto seguro no ano passado, quando ela engravidou após seu método contraceptivo ter falhado. A corte indeferiu sua petição, e ela fez um aborto no exterior. Ela compareceu à audiência pública no mês passado e disse: “Todas as mortes e os problemas que acontecem em decorrência de um aborto ilegal são sim responsabilidade do Estado. Estou muito feliz que hoje a gente está podendo debater este assunto com pessoas que têm o poder de mudar isso.”
Pesquisas mostram que uma em cada cinco mulheres já fez um aborto antes dos 40 anos. “Todo mundo conhece uma mulher que fez um aborto”, disse Rebeca. “Depois que eu conversei com algumas amigas, e todas têm uma história – pode não ser própria, pode ser de uma prima ou de uma irmã, mas todas têm uma história para contar. Eu gostaria que nossos políticos parassem de fingir que essas mulheres não existem.”
A Suprema Corte provavelmente não deve avançar no caso até depois das eleições presidenciais, ou mesmo até mais tarde.
“Rebeca Mendes é parte de um processo que está ocorrendo rapidamente no Brasil, de que mais mulheres passam a dizer: ‘A criminalização do aborto é errada'”, disse Débora Diniz em um vídeo da Human Rights Watch divulgado antes da audiência. Por volta de outras 20 mulheres compartilharam suas histórias de aborto como parte de uma campanha comandada pela Anis e pelo Think Olga.
“Se a gente pensa, 30 anos atrás, 20 anos atrás, o aborto era um tema tabu”, disse Maria José Rosado, do grupo Católicas pelo Direito de Decidir. “Esse tabu, eu acho que se rompeu”.
Isso é bom para mulheres e meninas, e bom para o Brasil.
A Suprema Corte provavelmente não deve avançar no caso até depois das eleições presidenciais, ou mesmo até mais tarde. Uma decisão de descriminalizar o aborto nas primeiras 12 semanas seria histórica, dando às mulheres e meninas o direito de interromper a gravidez legalmente e com segurança, em vez de recorrer a métodos clandestinos e inseguros. Mas, enquanto isso, a questão do aborto está sendo debatida publicamente e discutida abertamente.
Graças às corajosas e corajosos integrantes do movimento pelo direito ao aborto no Brasil, os candidatos à presidência precisam responder a perguntas sobre direitos reprodutivos. Isso é bom para mulheres e meninas, e bom para o Brasil.
Margaret Wurth é pesquisadora sênior para os direitos das mulheres na Human Rights Watch