As mulheres já representam 52% dos eleitores brasileiros, mas o número de candidaturas femininas está longe de ser maioria. Só 31,2% de todos os candidatos registrados nas eleições deste ano são mulheres, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), fatia que pouco mudou desde o pleito de 2014.
(BBC News Brasil, 26/09/2018 – acesse no site de origem)
Disparou, por outro lado, o número de mulheres na suplência de senador e de candidatas a vice-governadora. O TSE registrou crescimento de 163% no número de candidatas registradas à segunda suplência, de 93% à primeira suplência e também contabilizou 55% mais mulheres registradas nas vagas de vice-governador, se comparados os números de registros desta e das eleições passadas.
Também aumentou, ainda que em menor proporção (65,6% para primeiro suplente e 47,9% para a segunda suplência), o número de candidatos masculinos na suplência de senador, mas houve queda no número de homens disputando como vice-governador. Os números, disponíveis no site do TSE, incluem todos os registrados até 15 de agosto deste ano – antes, portanto, da análise dos pedidos de candidatura e de possíveis indeferimentos e substituições.
Mesmo com o crescimento ligeiramente maior das mulheres, a proporção entre os postulantes a um cargo público praticamente não mudou, já que o número de homens também aumentou. O TSE contabilizou um aumento de 9,4% no número de candidaturas femininas e de 8,7% das masculinas. Mesmo com o crescimento ligeiramente maior, a proporção entre os postulantes a um cargo público praticamente não mudou.
Em 2014, 31% de todos os candidatos registrados eram mulheres. Por isso, o aumento no número de suplentes é encarado como um avanço por alguns especialistas.
“A participação feminina na política é tão irrisória que qualquer incremento é motivo para a gente comemorar”, diz o professor e advogado Joelson Dias, ex-ministro do TSE, que pesquisa a inserção da mulher na política brasileira.
Duas explicações
O jurista Joelson Dias e a cientista política Malu Gatto, professora da University City of London e pesquisadora da Universidade de Zurique, dizem que esses números podem ser explicados por duas estratégias distintas dos partidos: garantir mais verba do fundo eleitoral, que reservou 30% de um total de R$ 1,7 bilhão para candidaturas femininas, e agradar uma importante parcela do eleitorado.
“Tem duas dinâmicas que estão incentivando esse padrão de nomeação de mulheres. A suplência tem mais a ver com a lógica de distribuição de financiamento de campanha. A outra parte da história, principalmente em relação aos cargos do Executivo, é a preocupação com o eleitorado feminino”, observa Gatto, lembrando que as mulheres representam a maior parte do eleitorado e também a maior parte dos indecisos. “A mulher se tornou eleitorado-chave dessa eleição”, completa.
Para Joelson Dias, o pequeno número de mulheres no Congresso, nas assembleias e câmaras de vereadores é “constrangedor e vergonhoso”.
“Fica sempre a esperança de que as mudanças nas regras, ainda que não resolva o problema, melhore a participação feminina”, afirma o ex-ministro do TSE, dizendo que o aumento de candidaturas femininas em cargos substitutos “pode ser estratégia de muitos partidos que não ficaram satisfeitos com a intervenção do Judiciário (para reservar uma parte do fundo e do tempo de propaganda para mulheres)”.
Como funciona?
Para registrar uma candidatura ao Senado, é preciso indicar dois suplentes. Assim como o vice, o primeiro suplente substitui o senador quando ele se afasta do cargo e, na impossibilidade deste, o segundo suplente passa a ocupar a função. Na prática, contudo, o suplente não participa do mandato do senador titular.
Ainda que o número de registros de candidatas mulheres ao Senado tenha aumentado 80% (de 35 em 2014 para 63 este ano), o número de homens que querem ser senadores cresceu bem mais: 94%.
Já o número de candidatas ao cargo de governador pulou de 20 em 2014 para 29 este ano, aumento de 45%. No caso dos homens, o salto foi menor: de 156 para 170 candidatos, aumento de 8,97%, de acordo com os números contabilizados pelo TSE até 15 de agosto.
Não houve mudanças, contudo, no número de registros iniciais de mulheres disputando a vice-presidência.
Em 2014, antes de Marina Silva assumir a cabeça da chapa com a morte de Eduardo Campos, eram quatro as mulheres como vice na corrida pelo Planalto. Este ano, também foram quatro os registros iniciais – as urnas, contudo, ganharam mais uma vice com Manuela D’Ávila compondo com o novo candidato do PT, Fernando Haddad, que assumiu a cabeça da chapa no meio da campanha.
Artimanhas para driblar a lei
A professora Malu Gatto, no entanto, pondera que será preciso esperar o fim da campanha para entender como os partidos estão distribuindo o financiamento estabelecido pela nova cota destinada às candidaturas femininas por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
“O que a gente sabe é que quando são colocadas leis que visam tornar o sistema mais diverso, as pessoas que estão dentro do sistema resistem. A solução que os partidos encontraram para resistir às cotas (que impõe um número mínimo e máximo de candidatos do mesmo sexo) foi a nomeação de laranjas”, diz a pesquisadora, em referência à candidatura de mulheres que apenas emprestam os nomes ao partidos para preencher a cota exigida por lei e não têm a real intenção de disputar um cargo eletivo.
Nas eleições municipais de 2016, por exemplo, as mulheres representaram 89,4% dos 16.131 candidatos que não receberam voto, segundo o TSE.
À época, o então ministro do TSE Henrique Neves disse que esse número elevado de mulheres que não receberam votos podia ser atribuído às chamadas “candidaturas laranjas”. “A quantidade de candidatas que não receberam nenhum voto é realmente preocupante e deve ser analisada de acordo com cada situação”, afirmou na ocasião.
Desde 1997, a legislação prevê que os partidos devem inscrever no mínimo 30% e no máximo 70% de candidatos do mesmo sexo nas chapas proporcionais, ou seja, as que disputam uma vaga na Câmara dos Deputados, nas assembleias e câmaras de vereadores e, no caso de Brasília, na Câmara Legislativa. Não há limite imposto para as candidaturas majoritárias.
Mas a professora lembra que as cotas são respeitadas pela maioria dos partidos de uma maneira simbólica, porque são poucas as candidatas que, de fato, contam com o apoio e financiamento direto das legendas.
“O que está acontecendo agora é uma adaptação a essa nova regra. Existe a necessidade de distribuir fundos e os partidos estão respondendo a isso através de soluções criativas para a manutenção do poder”, avalia a professora.
Segundo informou o TSE à BBC News Brasil, a aplicação dos recursos do fundo pode ser feita com todos os tipos de candidatura, inclusive postos secundários como suplente e vice. “A aplicação dos recursos fica a critério da comissão executiva nacional do partido, desde que respeite a aplicação mínima de 30% em candidaturas femininas”, esclareceu o TSE por meio da assessoria de imprensa.
Uma resolução da corte eleitoral tentou criar um mecanismo para evitar desvirtuamento, mas permitiu, por exemplo, o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino.
“O dinheiro vai para a chapa, se tiver uma mulher como vice ou suplente, está apto a receber o dinheiro”, explica o ex-ministro do TSE, Joelson Dias.
Falta de incentivo
Para a professora Malu Gatto, a culpa da baixa representatividade das mulheres nas eleições não é do eleitor.
“O que a gente vê é que, com a cota de gênero, os partidos começaram a nomear mulheres, mas não apoiam as candidaturas. Tem muitas mulheres registradas, mas elas não estão de fato fazendo campanha”, avalia.
Além disso, a pesquisadora observa que a política é um ambiente extremamente masculino. “Isso impacta negativamente na ambição política da mulher de estar nesses espaços. Tem muito a ver também com o fato de os partidos não tomarem um posicionamento muito forte no recrutamento e apoio de candidatura de mulheres. Falta incentivo”.
A presença de mulheres no Congresso também é pequena. Dos 513 deputados federais, somente 10,5% são mulheres. No Senado, dos 81 parlamentares, 16% são mulheres.
“Nesse quesito, o Brasil está sempre entre os últimos. Os números são constrangedores”, lamenta Joelson Dias, defendendo uma mudança de atitude.
Nem no Partido da Mulher Brasileira
Nas eleições deste ano, o Partido da Mulher Brasileira é o que conta com maior número de candidatas – mas elas não são maioria nem mesmo no partido que destaca o gênero no nome. Do total de 455 candidatos do PMN, 39,6% são mulheres.
O segundo colocado no ranking com o maior número proporcional de candidaturas femininas é o PSTU, que inclusive disputa as eleições presidenciais com uma mulher, Vera Lúcia. Nas eleições passadas, o PSTU foi o que, proporcionalmente em relação ao total de candidatos da legenda, tinha o maior número de mulheres.
Erika Andreassy, da Secretaria Nacional da Mulher do PSTU, diz que o partido tem estimulado não apenas as candidaturas, mas também a participação feminina nos cargos de direção da legenda.
“Ainda é um desafio muito grande para a mulher participar da vida pública. Além de ser uma sociedade machista, a mulher enfrenta dificuldade de conciliar o trabalho, a maternidade e a vida partidária”, avalia.
Andreassy acredita que o aumento do número de vice e suplentes está relacionado à cota do fundo partidário. Mas ela acha que, ainda assim, é importante criar incentivos para estimular uma maior participação feminina.
O lugar da mulher nos partidos
Entre os partidos com menor número de candidatas mulheres está o PPL (28%), DEM (28,8%) e o PSL (29,2%) de Jair Bolsonaro, presidenciável que representa uma resistência junto ao eleitorado feminino.
Os grandes partidos brasileiros como o MDB, PSDB e PT, por exemplo, reservaram cerca de 33% do total de candidaturas a mulheres e 67% a homens.
O MDB, por exemplo, lançou duas mulheres ao Senado, três como primeira suplente e 11 como segunda suplente. Já o PSDB registrou quatro candidatas ao Senado, três como primeira suplente e nove como segunda suplente. O PT, por sua vez, também tem mais mulheres na segunda suplência (11) que candidatas a senadora (6).
Na avaliação da professora Malu Gatto, a pouca visibilidade da mulher nas eleições dificulta atrair a atenção do eleitor. “Não acho que o eleitor seja menos propenso a votar em mulheres. Acho que o eleitor muitas vezes não vê as mulheres candidatas”, avalia.