Em sua nova coluna, Debora Diniz faz uma análise do papel das nordestinas nas urnas
(Marie Claire, 01/10/2018 – acesse no site de origem)
Que as mulheres vão decidir essas eleições, já sabemos. O que ainda iremos comprovar é que serão as mulheres nordestinas a decidir as eleições no dia 7 de outubro. Mais de 20 milhões das eleitoras estão ali, naquela parte do país ignorada por quem fala em homens de negócios e esquece das empregadas domésticas, fala em armas para proteger propriedade privada e ignora que há feminicídio, diz não haver racismo, mas não explica por que a beneficiária do Bolsa Família tem classe e cor. Será uma reviravolta para quem anda anunciando que não reconhecerá outra vitória nas urnas que a sua própria. Acho bom começar a se preparar, pois a cicatriz recente irá arder.
As mulheres nordestinas não votarão no capitão reformado por, pelo menos, três razões. A mais importante delas é porque sabem votar. Já se foi o tempo do cabresto em que se vendia o voto por medo ou sobrevivência. Há pobreza no Nordeste, é verdade, mas agora é gente pobre que entendeu como a vida pode ser melhor com um Estado que olhe para a desigualdade e não busque na mulher trabalhadora uma empresária, mas alguém com múltiplas jornadas de trabalho. O principal ofício feminino é o trabalho doméstico ou o da terra e para os dois não há isso de “aprender a pescar”, mas ainda é tempo de “dar o peixe”.
A segunda razão é porque as armas nunca foram um objeto de desejo da mulher nordestina. São as armas que as matam na casa pelo que já foi descrito pelos homens como crime passional. Sem propriedade privada para afugentar os invasores, as armas não as protegem dos maridos ou pais, ao contrário, ampliarão seu risco doméstico de ser vítima de violência. Além disso, desacreditam que a melhor segurança é aquela que as devolve para a casa – querem transporte público com segurança, luz e esgoto, o direito de ir e vir sem serem importunadas por uma das culturas mais machistas deste país.
Por fim, duvidam de quem sustenta a redução da maioridade penal. Se o Nordeste é uma terra de risco para as mulheres e suas filhas, é também para os seus filhos – ainda meninos, morrem em guerras de gangues, morrem pela polícia, morrem porque são pobres, nordestinos e negros. Essas são mulheres que já vivenciam o luto precoce dos filhos e, agora, há quem as ameace prendê-los ainda mais cedo. E tentam convencê-las que isso se chama “segurança pública”.
Será ainda mais bonita esta vitória. As mulheres estiveram em canto neste país para gritar #Elenão. Agora, serão as esquecidas nordestinas a definirem quem irá para o segundo turno das eleições. Se suas patroas brancas, as netas e bisnetas das sinhazinhas do passado, serão as poucas a votarem no capitão reformado, o voto de recusa será tema de orgulho – é a história de transformação se movimentando nas terras dos engenhos e da escravidão. Nem uma mulher será mais a mesma depois desta demonstração de força ao país. E as mulheres nordestinas serão aquelas que contarão a história de terem definido essas eleições.
Debora Diniz é antropóloga, professora da UNB e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética. Em 2017, ganhou o prêmio Jabuti pelo livro “Zika: Do Sertão Nordestino à Ameaça Global”. Como documentarista, seus filmes já ganharam mais de 50 prêmios. Sua área de interesse são os direitos das mulheres.