Um levantamento inédito mostrou a situação de obras de creches e escolas infantis feitas com dinheiro do governo federal nos últimos dez anos no país
(Jornal Nacional, 18/12/2018 – acesse no site de origem)
Um levantamento inédito mostrou a situação de obras de creches e escolas infantis feitas com dinheiro do governo federal nos últimos dez anos.
Se o assunto é creche, escolinha, mães com seus filhos e sua agonia vão chegando.
“Tive que abandonar o serviço para poder tomar conta dele”, disse a jovem.
Quem é mãe e avó se preocupa em dobro.
“Ela perdeu muito serviço, entrevista de serviço, até escola mesmo dificultou para ela porque não tem creche para ele”, contou uma diarista.
Manuela veio de Pernambuco com seus gêmeos. O que não tinha lá também não encontrou em São Paulo.
“Fica muito complicado para mim morar numa cidade desse tamanho e não ter serviço”, declarou a dona de casa.
Essa necessidade urgente muitas vezes até se transforma em projetos e contratos assinados para a construção de escolas e creches, mas nem sempre o que está no papel bate com a realidade. A Transparência Brasil calcula que cerca de R$ 1 bilhão já foram destinados a obras que estão paradas ou nem começaram, como uma em Carapicuíba, na Grande São Paulo, onde só tem lixo.
Em pouco mais de uma década, 14 mil obras contratadas com recursos federais foram analisadas. Só 44% das escolinhas e creches foram entregues; 18% foram canceladas e 38% não saíram do papel ou estão com obras paradas por uma série de problemas.
Para saber por que a creche de Carapicuíba ainda não existe o JN foi atrás do responsável pela fiscalização.
“Ah, o Luís Carlos pediu a conta”, foi a resposta.
Fiscalização é um problema, mas não o único. Marcos Paulo, que trabalha há 20 anos na prefeitura, procura o projeto e lembra que uma nascente no terreno não foi levada em conta. O problema ambiental se somou a outro, comum no Brasil.
“A empresa acabou o contrato, não renovou o contrato, foi feita uma nova licitação e a planilha ficou defasada”, explicou ele.
Só que o governo federal já repassou quase R$ 300 mil que ficam parados fazendo falta para quem precisa.
“Precisa ter uma racionalização maior de como esses recursos dos programas do governo dedicados à educação, que envolvem repasse a município, sejam mais racionais. Todo esse controle precisa melhorar”, disse Juliana Sakai, diretora de Operações da Transparência Brasil.
A cena se repete pelo país. Em Gravataí, no Rio Grande do Sul, tem obra parada, só no papel ou demorando para acabar. Em Uberlândia, Minas Gerais, a obra da escola infantil ficou três anos parada. Graças ao monitoramento de um professor aposentado foi retomada no meio do ano e segue em ritmo lento. Mas vai ter pressão.
“É um ato de cidadania, as pessoas pagam seus impostos, ela é obrigada a pagar esses impostos, mas ela tem o direito de fazer a fiscalização desses recursos”, afirmou Vladimir Rodrigues, voluntário do Observatório Social de Uberlândia.
A Transparência Brasil vai agora disparar cobranças para prefeituras e governos. A organização criou um aplicativo para que o cidadão seja também um fiscal das obras.
“A gente tem milhares de municípios que recebem recursos do governo federal e obviamente o governo não tem condições de olhar município a município in loco como que a obra está, se está andando ou se não está andando”, afirma Juliana Sakai.
Foi graças à fiscalização da população por meio do Observatório Social que a obra da creche em Paranaguá, no Paraná, foi retomada.
O que dizem os citados
A prefeitura de Carapicuíba declarou que trabalha para solucionar o problema ambiental e que a licitação para a obra da creche está prevista para o primeiro semestre de 2019.
A prefeitura de Uberlândia afirmou que o governo federal deixou de repassar recursos quando a obra parou, em 2015, e prometeu finalizar a creche com dinheiro do município para funcionar no começo de 2019.
A prefeitura de Gravataí declarou que as obras paradas são resultado de atrasos na liberação dos recursos federais.
O governo federal afirmou que não constam atrasos de pagamento em Gravataí. Declarou também que a liberação dos recursos acontece à medida que as obras avançam e que as prefeituras terão que devolver o dinheiro se não concluírem no tempo previsto.