Reeducação dos agressores é um vazio que a Justiça e os governos não preencheram. Mas projeto de lei já passou pela Câmara e está no Senado.
(Jornal Nacional, 10/01/2018 – acesse no site de origem)
Um projeto de lei que está no Senado prevê que homens que agridem mulheres, além de responder criminalmente, tenham que passar por um curso de reabilitação.
As mesmas mãos que hoje lavam a louça e recolhem os brinquedos dos filhos já foram mãos que ameaçaram. “’Se eu te pegar vou te quebrar, vou arrebentar a sua cara’. Foram essas as ameaças que eu fiz e foi onde ela foi na delegacia”, conta um homem.
Além de se manter afastado da ex-mulher, a Justiça o obrigou a passar por um curso de reeducação. Lições que ajudaram no segundo casamento. “A ter paciência na hora da briga, saber fechar a boca, virar as costas, deixar para depois a discussão, quando os ânimos se acalmarem. É muito difícil você mudar sozinho”, diz o homem.
É o empurrão que dá uma juíza de Santo André, no ABC paulista. Lá, todos os condenados pela Lei Maria da Penha são obrigados, também, a fazer o curso.
“São apresentados relatórios pela equipe que faz o curso e, depois de um tempo, depois que ele sai do curso, há um novo acompanhamento e uma nova submissão a uma entrevista, uma análise do que está acontecendo. É importante fazer esse acompanhamento. A realidade muda bastante”, diz a juíza integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência, Teresa Cristina Cabral Santana.
Mas não é o que acontece no Brasil e nem mesmo nas capitais. No país são registrados pelo menos dois feminicídios por dia. Enquanto as agressões e assassinatos de mulheres continuam aumentando, o mesmo não acontece com medidas que poderiam evitar novas vítimas. A reeducação dos agressores ainda é um vazio que a Justiça e os governos não preencheram.
A Lei Maria da Penha prevê o encaminhamento dos agressores para os cursos, mas um projeto de lei que passou pela Câmara e está no Senado transforma a possibilidade em obrigação.
“Isso não quer dizer que nós vamos passar a mão na cabeça dos homens, que nós estamos dando um perdão para o homem cometer a violência doméstica. Não. Esse trabalho de ressocialização do agressor ele tem que andar paralelamente ao processo criminal”, afirma a promotora Gabriela Mansur.
Mesmo onde o curso já existe, ele é fruto do esforço de voluntários. As verbas e espaços públicos são incertos. “Todo final de curso é uma nova negociação, é uma nova mesa de rodada com os governadores, com os dirigentes para mostrar a importância desse curso como uma política pública”, diz o sociólogo e responsável pelo curso Tempo de Despertar, Sergio Barbosa.
O Jornal Nacional acompanhou a primeira sessão do ano do grupo “E Agora José?” na Defensoria Pública e bancado com recursos da Justiça de Santo André. A taxa de reincidência é praticamente zero.
“Que a gente possa com nosso trabalho evitar que ocorram feminicídios. Porque já teve depoimento aqui de homem dizer isso ‘olha e se não tivesse passado por esse grupo teria, eu matado a minha companheira’”, conta o psicólogo e sociólogo, coordenador do programa “E Agora José?” Flavio Urra.
Quem passa pelas 26 sessões semanais tem a oportunidade de mudar nos novos relacionamentos e na vida. “Você aprende a saber escutar a outra pessoa também. E saber aceitar que você nem sempre está certo”, afirma um homem.
“No começo, fiquei com raiva porque não é justo você sair da sua casa em uma quarta-feira, às vezes você tem um compromisso e você tem que estar aqui. Mas nesses 15 encontros, para mim foi a melhor coisa que aconteceu. Para mim valeu a pena porque eu acabei levando para minha vida”, conta outro homem.