Uma maior oferta de creches públicas ampliaria significativamente a participação feminina no mercado de trabalho, aponta estudo da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, com base em dados do município de São Paulo. Ainda conforme a pesquisa, realizada pela economista Viviane Sanfelice, o impacto pode ser ainda maior, caso a oferta de instituições de cuidado para crianças seja destinada a regiões onde o trabalho feminino responde com mais força à disponibilidade de creches.
(Valor Econômico, 14/01/2019 – acesse no site de origem)
Segundo o levantamento, parte da tese de doutorado de Viviane na universidade nova-iorquina, o uso de creches públicas por mães que não têm outras opções de cuidado para seus filhos aumenta em 44 pontos percentuais a probabilidade de emprego materno. Com base neste dado, a economista calcula que uma redução de 10 pontos percentuais na lista de espera por creches aumentaria a taxa de emprego das mães em 1,2 ponto percentual.
O trabalho das mulheres possibilita um aumento de renda às famílias, com efeitos sobre a redução da pobreza. Além disso, a política poderia ter efeitos positivos sobre a diferença salarial entre homens e mulheres, além de estimular as filhas dessas mães a também trabalhar no futuro, afirma a pesquisadora, com base na literatura sobre o tema.
Para chegar aos resultados, a pesquisadora usou dados do Censo brasileiro de2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e números da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo sobre o excesso de demanda por creches públicas na capital paulista naquele ano. Apesar de a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) ter números mais recentes, a pesquisa amostral não permite a análise geográfica no nível municipal, explica Viviane, sobre a escolha dos dados.
“A ideia foi comparar mães com características similares como nível de educação e estado civil e que moram numa mesma região da cidade, mas uma mãe tem um filho de 2 anos, e a outra, um filho de 3 anos, por exemplo”, conta Viviane.
“Como a lista de espera para crianças de 2 anos é geralmente maior do que a lista de espera para a crianças de 3 anos, a mãe desta criança tem mais chances de conseguir vaga na creche pública. Então, comparando a participação no mercado de trabalho dessas duas mães, como elas são idênticas exceto pela chance de acesso à creche pública, consigo atribuir a diferença em sua participação no mercado de trabalho ao uso da creche”, afirma a economista.
Apesar de décadas de avanços na participação na força de trabalho, as mulheres ainda encontram empecilhos que não são enfrentados pelos homens, destaca a pesquisadora, em artigo ainda não publicado. Uma dessas barreiras está relacionada ao papel da mulher no cuidado familiar.
A oferta de instituições educacionais públicas para crianças mais novas visa, em certa medida, endereçar esse problema. No entanto, historicamente, o governo priorizou a oferta da pré-escola, que atende crianças de 4 a 5 anos, em detrimento das creches, que recebem pequenos até 3 anos. No Plano Nacional de Educação (PNE) de 2010, por exemplo, foi estabelecida meta de universalização da pré-escola até 2016, enquanto para o acesso a creches, a meta foi de 50% até 2024.
Outro ponto que explica a escassez de vagas para as crianças mais novas, segundo Viviane, é a diferença de custo. “Para crianças mais novas, a
regulação exige um número menor de crianças por instrutor”, diz. Em São Paulo, por exemplo, são sete crianças de 0 a 1 ano para cada instrutor, número que sobe a 25 por instrutor para meninos e meninas de 4 a 5 anos.
Assim, diante do excesso de demanda, cabe ao Poder Público a tomada de decisão sobre como lidar com a escassez de recursos para atendê-la. Segundo Viviane, a estratégia a ser adotada depende dos objetivos do governo.
“Se o objetivo do governo é usar a oferta de creches públicas para estimular o trabalho das mulheres, uma alternativa seria alocar recursos geograficamente em áreas em que oferta de trabalho das mães é mais elástica à oferta de creches”, diz Viviane.
Já se o objetivo principal do Poder Público for garantir e padronizar a qualidade no cuidado das crianças nos primeiros anos de vida, de forma a melhorar a formação de capital humano e diminuir a desigualdade social, faria mais sentido priorizar a oferta de creches à famílias de baixa renda,
segundo a pesquisadora.
“Com isso a participação no mercado de trabalho de mulheres com menos educação aumenta 1 ponto percentual, mas esse critério de alocação acaba diminuindo a participação no mercado de trabalho de algumas mães com até ensino médio, porque elas perdem acesso”, afirma. “Para mães com educação superior, não observo diferença no nível de emprego porque elas acabam usando o setor privado.”
Segundo dados do IBGE, em 2017, somente 32,7% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos frequentavam creches. Para crianças de 4 a 5 anos, em idade pré-escolar, o percentual chegava a 91,7%. Ainda conforme a Pnad, 34,7% (897 mil) das crianças de 2 e 3 anos e 21,1% (903 mil) das crianças de 0 a 1 ano não frequentavam a escola por dificuldade de acesso, por falta de vaga ou de escola na localidade.
A taxa de participação feminina na força de trabalho era de 52,5% ao fim de 2017, comparada a 72% de participação dos homens. Um dos motivos que explicam a diferença entre os gêneros é justamente a falta de creche.
Thais Carrança