Tainara da Silva de Aquino tinha 25 anos quando foi morta a tiros na casa onde morava com seus dois filhos bebês, em Santa Maria (RS), no dia 9 de maio. Seu ex-companheiro foi preso sob suspeita de ter praticado o crime.
(BBC News Brasil, 05/06/2019 – acesse no site de origem)
O caso resume algumas das principais características dos homicídios de mulheres no Brasil. Segundo os dados do Ministério da Saúde compilados pelo Atlas da Violência, lançado na quarta-feira (05/06) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram registrados 4.936 assassinatos de mulheres em 2017.
É uma média de 13 homicídios por dia, o maior número em uma década.
Assim como Taianara, a maior parte das vítimas (66%) é negra, é morta por armas de fogo e, em boa parte dos casos, dentro de casa.
O Atlas da Violência traça um cenário calamitoso de homicídios. Houve um recorde de 65.602 assassinatos registrados no Brasil em 2017, em sua maioria vitimando jovens homens em episódios de violência urbana e briga entre facções criminosas.
Mas, ao mesmo tempo, geram especial preocupação os assassinatos de mulheres, negros e pessoas LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais).
Uma análise geral dos homicídios por raça, por exemplo, mostra que, dos assassinatos cometidos em 2017, três quartos das vítimas eram negras.
Questões de gênero
No que diz respeito às mulheres, o Atlas calcula que aumentou em 20,7% a taxa nacional de homicídios femininos entre 2007 e 2017.
Esse aumento se dá sobretudo entre mulheres negras: elas viram seu número de homícidios crescer mais de 60% em uma década, em comparação com um crescimento de 1,7% nos assassinatos de mulheres não negras.
Quando analisados os dados específicos de 2017, descobre-se que das quase 5 mil mulheres assassinadas, 53,8% foram mortas com armas de fogo e 26,8% com objetos cortantes.
Desde 2015, o Brasil tem uma lei específica para enquadrar homicídios cometidos contra mulheres que envolvam questões de gênero – a Lei do Feminicídio, com penas de 12 a 30 anos de prisão.
Como a lei é relativamente nova, ainda não se sabe se todos os casos de violência de gênero estão sendo devidamente registrados pelas autoridades.
No entanto, o fato de quase 40% das mortes femininas terem ocorrido dentro de casa faz com que sejam grandes “as chances de que se relacionem a casos de feminicídio”, apontam o Ipea e o FBSP.
Outro detalhe importante é que grande parte do aumento dos casos se deu em alguns dos Estados do Norte e do Nordeste. O Ceará, por exemplo, registrou 71,6% de crescimento de homicídios de mulheres em uma década; no Rio Grande do Norte, o aumento foi de 48%.
Segundo Renato Sergio de Lima, presidente e pesquisador do FBSP, “as mortes por brigas interpessoais estão crescendo, (…) como parte de uma cultura da violência sendo incentivada como forma de resolver conflitos. E no Nordeste estão mais arraigadas questões de gênero, de machismo e do papel de homens e mulheres”, favorecendo a violência por questões de gênero.
Nesse cenário, o relatório é crítico à flexibilização do porte de armas, promovido por decreto pelo governo de Jair Bolsonaro em maio.
“Considerando os altíssimos índices de violência doméstica que assolam o Brasil, a possibilidade de que cada vez mais cidadãos tenham uma arma de fogo dentro de casa tende a vulnerabilizar ainda mais a vida de mulheres em situação de violência”, diz o estudo do Ipea e do FBSP.
O estudo aponta que, só em 2017, mais de 221 mil mulheres procuraram delegacias de polícia para registrar agressões (lesão corporal dolosa) em decorrência de violência doméstica, “número que pode estar em muito subestimado dado que muitas vítimas têm medo ou vergonha de denunciar”.
Violência contra LGBTI+
Pela primeira vez, o Atlas da Violência debruçou-se sobre as denúncias de crimes violentos relacionados a orientação sexual e identidade de gênero. E identificou que, embora o problema seja largamente invisível às estatísticas oficiais, os poucos dados existentes indicam que esse tipo de violência também tem se agravado.
O Atlas usou como base dados obtidos no Sinan, sistema de dados do Ministério da Saúde, e no Disque 100, central hoje vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e que recebe denúncias de violências diversas, inclusive contra a população LGBTI+.
O Disque 100 registrou no ano retrasado 193 denúncias de homicídio, 26 de tentativa de homicídio e 423 de lesão corporal contra essa população.
“Como a base de dados do Disque 100 é produzida a partir de denúncias telefônicas, não há como garantir que a variação apontada reflita decisivamente a variação do fenômeno da violência contra a população LGBTI+”, ressalva o relatório.
“Contudo, quando comparamos com algumas informações do Sinan, encontramos um mesmo resultado qualitativo: o aumento das violências contra a população LGBTI+ sobretudo após 2016.” Esses registros do Sinan apontam aumentos superiores a 10% nos registros de violência contra homossexuais e bissexuais entre 2015 e 2016.
Para Lima, do FBSP, esses aumentos provavelmente se devem tanto à redução da subnotificação quanto ao contexto maior de violência do país.
“Essa população LGBTI+ está mais visível e mais ativa, mas a violência contra ela também tem crescido”, afirma.
Paula Adamo Idoeta