Uma das fundadoras da igreja evangélica Renascer em Cristo, Sonia Hernandes, atende por mês cerca de 100 mulheres pedindo ajuda para sair de uma situação de violência doméstica. “Elas nos procuram no altar com os olhos roxos, hematomas nos braços e nas pernas e relatando ameaças de morte por parte dos maridos”, diz Sonia
(Universa, 10/07/2019 – acesse no site de origem)
Bispa Sonia, como é conhecida, diz ter criado um grupo de advogados voluntários para orientar essas mulheres. A evangélica também pretende implementar em suas igrejas o projeto Tempo de Despertar, aplicado na ressocialização de homens agressores. O programa, que hoje funciona em fóruns de Justiça de São Paulo, promove tratamento psicológico e grupos de conversa para homens, na tentativa de diminuir a reincidência das agressões.
O Tempo de Despertar deve ser expandido para outras duas igrejas evangélicas e ma congregação católica.
Sem saber como fazer uma denúncia, com medo do marido ou de serem, injustamente, culpadas por destruir a família ao fazer uma queixa, muitas vítimas encontram na igreja a tábua de salvação, e nos líderes religiosos aqueles que vão lhes dizer o que devem fazer. Para Sonia, muitas denominações falham nesse trabalho. “Sei que há instituições religiosas, e não só evangélicas, que fazem a mulher aceitar se calar. Isso arrebenta a vida delas”, diz.
Sonia já foi um dos grandes nomes do movimento neopentecostal no Brasil. Depois de um período reclusa e outro detida, voltou a público com a eleição de Jair Bolsonaro, de quem é próxima — esteve ao lado do presidente na posse e na Marcha para Jesus, em 20 de junho. Ela e o marido, Estevam Hernandes, fundaram a Renascer em 1986 e chegaram a ter 1.200 templos (hoje são cerca de 400). A igreja entrou em derrocada por volta de 2002. Uma série de acusações criminais foram golpes duros. Em 2012, o casal foi absolvido do crime de lavagem de dinheiro pelo Supremo Tribunal Federal por causa de um erro na acusação.
“Igrejas que dizem para não denunciar estão assinando o atestado de óbito da vítima”
A negligência em casos de violência é tão recorrente, que lideranças religiosas e associações têm instruído, de maneira prática, seus integrantes a ouvir e ajudar as vítimas. O Conic (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil), que reúne as igrejas Católica, Luterana, Anglicana, Batista, Presbiteriana e Ortodoxa, divulgou um comunicado no dia 22 de junho direcionado a pastores, padres e reverendos: “Parem de aconselhar a mulher que é agredida fisicamente pelo marido a orar e esperar em Deus; mandem ela ir até uma delegacia denunciar o covarde. Do contrário, vocês são cúmplices do crime”.
“Ainda há muitos religiosos que aconselham as mulheres a se calarem para ‘salvar o casamento’, mas é preciso que eles tomem consciência de que, quando pedem para a mulher não denunciar o marido agressor, podem, na verdade, estar assinando o atestado de óbito da vítima”, diz a secretária-geral da Conic, Romi Bencke.
Outra denominação evangélica, a Igreja Apostólica da Fonte, também se dedica ao tema e realizou, no dia 6 de junho, a conferência “Empoderadas em Deus”, para falar sobre violência doméstica. “O fator religião pode confundir a vítima, que pensa duas vezes antes de denunciar pelo medo de desmantelar a família, um pilar fundamental na igreja”, afirma Rúbia de Sousa, autointitulada bispa. “Tentamos mostrar que essa culpa não é dela e a encaminhamos para psicólogas.”
“Pastora me dizia que eu não deveria me separar mesmo que ele me batesse”
Foi com uma referência à Bíblia que a pastora de uma igreja evangélica respondeu ao pedido de ajuda da dona de casa M. D., 27 anos, quando ela contou que era espancada pelo marido. “Os humilhados serão exaltados”, disse a religiosa, que ainda orientou M. a jejuar, passar sete madrugadas orando e “aguentar as humilhações” do agressor.
“Ele me dava tapas no rosto, me chamava de vagabunda, já me empurrou da cama e disse que ia passar a faca em mim. Pedi ajuda para essa líder e fiz o que ela disse, mas não resolvia. Estava morrendo por dentro”, conta M.
Ela ouvia que não deveria se separar e que tinha que ser forte e aguentar as explosões de raiva do marido, mesmo que ele a agredisse fisicamente. “Um dia, ele me segurou pelo pescoço dizendo que ia me matar. Em seguida, contei para a minha irmã, que chamou a polícia. Fui então levada a um abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica”, diz M., que hoje que mora em Rondônia, em uma casa de acolhimento para mulheres agredida.
“Depois que me separei, ninguém da igreja me procurou para saber como eu estava, pois eles são contra o divórcio.”
Por Camila Brandalise