Secretaria da Segurança Pública (SSP) promoveu seminário para capacitar servidores
(Gauchazh, 05/09/2019 – acesse o site de origem)
Receber mensagens importunas, ser perseguido e vigiado, receber ameaças e sofrer agressões. Essas etapas fazem parte da escalada da violência do stalking, termo que pode ser traduzido de forma literal do inglês como “perseguição”. Moradora de Porto Alegre, Joana*, 19 anos, passou por algumas dessas situações há dois anos quando resolveu terminar um relacionamento que durava quase cinco meses. E o ex-namorado, que nunca havia dado qualquer traço de ciúme mais intenso, se transformou.
Durante um mês, a estudante recebeu mensagens do tipo “te amo, mas se tu não responder, te odeio”. Depois, passou a ser perseguida e chegou a ter fotos íntimas expostas. Essas ações levaram a adolescente, na época, a procurar ajuda. Ela contou o que vinha acontecendo para os pais, que a levaram ao Palácio da Polícia e registraram boletim de ocorrência contra o ex-namorado. Joana recebeu uma medida protetiva.
— Meus pais me aconselharam a prestar queixa contra ele. A delegada solicitou uma medida protetiva, pois entendeu que ele estava perturbando a minha tranquilidade — conta Joana.
Durante 30 dias, a estudante teve de parar de frequentar locais e chegou a abrir mão de uma viagem.
— Minha vida era casa, estudo e trabalho. De um lugar, para o outro. Meus pais me ligavam de hora em hora para saber onde eu estava. Eu me privei por um bom tempo em virtude do medo.
Após a medida protetiva ter sido concedida, o ex-namorado mandou mensagens, nas quais xingava a jovem e a mãe dela. Desde então, a vítima e o homem não tiveram mais contato, exceto pelas vezes em que se cruzaram na rua. Apesar disso, a estudante continua tomando alguns cuidados.
— É uma preocupação a mais que a gente tem. Tu não sabe o que uma pessoa dessas pode fazer. Se já fez comigo, pode fazer com a minha família também. Precisamos redobrar a nossa atenção — conta.
Tema abstrato
Por ser uma questão subjetiva, o stalking muitas vezes passa despercebido entre as vítimas. Conforme a delegada Viviane Viegas, diretora da Divisão de Políticas Públicas de Segurança Pública e diretora adjunta do Departamento de Planejamento e Integração (DPI), muitas pessoas não fazem o registro da ocorrência nas delegacias especializadas. Segundo ela, o limite entre um fato cotidiano e um que mereça ser intercedido por ação penal ou civil é tênue.
— O limite é baseado em quatros pontos: o risco, a reincidência, a persistência e o elemento fundamental que é o medo e a insegurança, que podem gerar danos psicológicos. O último elemento pode mudar de forma brusca a vida da pessoa. Seja com uma mudança de rota para voltar para casa ou então fazer a pessoa deixar de frequentar certos lugares em virtude do pavor.
Como é um tema abstrato, o combate ao stalking também não é fácil. Segundo a delegada Viviane Viegas, a vítima tem de criar mecanismos para proteger a própria privacidade.
— Esse tipo de coisa não se aplica apenas a quem é “stalkeado”, mas também a qualquer tipo de pessoa. Temos de ter esse cuidado.
A recomendação da Polícia Civil é que sempre haja a documentação da ocorrência baseada em uma ameaça crível, ou seja, que cause dano a pessoa, seja físico ou psicológico. Baseados nesses registros, algumas medidas protetivas já estão sendo concedidas em virtude da perseguição obsessiva. A delegada Tatiana Bastos, diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher, afirma que os problemas são as penas:
— O fato de não ter tipificação penal não prejudica o atendimento e a investigação dos fatos. O que prejudica é a punição, pois as penalidades que temos previstas são muito brandas para, muitas vezes, a gravidade dessas condutas.
A Delegacia da Mulher vem elaborando um estudo sobre os casos de stalking em Porto Alegre. Estima-se que, na Capital, exista de 9 mil a 10 mil ocorrências por ano, mas os dados oficiais devem demorar a ser divulgados, pois é preciso fazer uma análise qualitativa e manual.
— Precisamos olhar cada ocorrência e ver o que configura o stalking e o que não. É uma análise qualitativa e manual, praticamente um trabalho artesanal — conforme a delegada Tatiana.
Ainda não existe a criminalização da ação no Brasil. Por isso, os episódios de stalking são tipificados como delito de perturbação da tranquilidade. A pena varia de prisão entre 15 dias a dois meses, ou multa. Em alguns casos, as condutas também podem ser enquadradas como ameaça ou injúria, mas a legislação ainda não prevê crime específico para abarcar estas situações. Os casos podem atingir qualquer tipo de pessoa, mas a maioria das vítimas é de mulheres jovens. Esses tipos de ataques podem se caracterizar como delitos abrangidos pela Lei Maria da Penha, por conta da vulnerabilidade em razão do gênero.
— Como delegada que despacha há quase 10 anos na Deam, posso te garantir que o stalking é uma das condutas que mais antecede o feminicídio. Isso mostra a gravidade e mostra o perfil do agressor, que dedica a sua vida para perseguir a vítima — salienta a delegada Tatiana.
Um procedimento introduzido em dezembro foi a implementação de um questionário de avaliação de riscos para as mulheres. A partir disso, a polícia consegue mensurar quais atitudes tomar a partir da narrativa contada pela vítima. Desde então, conforme Tatiana, nenhum feminicídio íntimo — quando a morte acontece em ambiente doméstico — foi registrado em Porto Alegre. Até a implantação da enquete, em 17 de dezembro do ano passado, o número era de 17 mortes de mulheres por questões de gênero na Capital.
Pensando na introdução do questionário em outras delegacias, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) promoveu um seminário, que aconteceu na última semana, e teve a participação de 120 agentes das Polícias Civil e Militar, técnicos do Instituto-Geral de Perícias (IGP) e da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), além de Guardas Municipais de Viamão, Alvorada e Porto Alegre, para mostrar e explicar as questões.
Além disso, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou, no último dia 14, projetos que endurecem a punição para a prática do stalking. Se não houver recurso, os textos serão remetidos para apreciação da Câmara dos Deputados. Fora do Brasil, a prática já foi criminalizada por pelo menos seis países. A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda que os países adotem medidas para criminalizar as condutas que configurem ameaças repetidas a outras pessoas, podendo lhes causar medo ou insegurança.
* O nome é fictício
Países que criminalizaram o stalking
Estados Unidos (1991)
Reino Unido e Irlanda (1997)
Bélgica (1998)
Holanda (2000)
Áustria (2006)
Portugal (2015)
Por João Praetzel