A queda de 10% no número de homicídios no país, entre 2017 e 2018, não se reflete nos casos de feminicídio, que registraram alta de 4% no mesmo período, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados nesta terça (10). O levantamento foi baseado nos dados dos boletins de ocorrência enviados pelos estados ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(Universa, 10/08/2019 – acesse no site de origem)
Em comparação com 2015, ano em que a Lei do Feminicídio foi criada, o aumento foi ainda maior, de 62,7%. Nos dois últimos anos, foram registrados 2.357 feminicídios, o que significa uma vítima morta por ser mulher a cada oito horas. É o maior registro desse tipo de crime desde que a lei entrou em vigor.
Feminicídio no Brasil
Na maioria dos casos, as vítimas são negras (61%) e estudaram até o ensino fundamental (70,7%).
“Essas mulheres acumulam vários indicadores de extrema vulnerabilidade: têm baixa escolaridade, sofrem racismo e, muito provavelmente, têm uma renda relativamente baixa”, afirma a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno. “Elas já sofriam violência doméstica mas, muitas vezes, nem chegam a denunciar: por não se reconhecerem vítimas, por medo e por dependerem financeiramente do agressor.”
“Quantas mais terão que morrer para o Estado brasileiro agir?”
Na opinião de Samira, ainda que existam leis com penas duras para autores de violência doméstica, a exemplo da Lei do Feminicídio, tratar do tema apenas à luz do Código Penal não é suficiente. A diretora do Fórum afirma que faltam políticas de assistência social no que diz respeito à vulnerabilidade de possíveis vítimas, como destacar profissionais capacitados para ajudá-las em postos de saúde. “Essa mulher pode não ter ido à polícia fazer uma denúncia, mas ao posto ela vai. Se houver alguém ali que a ajude, a chance de ela não sofrer um feminicídio aumenta.”
Na opinião de Samira, o Estado brasileiro vem agindo na contramão do que deveria ser feito para coibir a violência contra a mulher, que culmina nos assassinatos. O debate de violência de gênero e aulas de educação sexual, diz ela, seriam um caminho para a prevenção. “Mas são dois temas demonizados pelo governo”, diz. “Quantas mais terão que morrer e ser violadas para o Estado brasileiro agir?”
Segundo dados do Anuário, os casos de lesão corporal dolosa relacionados à violência doméstica também aumentaram de 2017 para 2018: foram de 252.895 registros para 263.067.
Portanto, a cada dois minutos, mostra o relatório, uma mulher sofre violência doméstica. O que significa que, até você chegar ao final deste texto, ao menos uma mulher terá sido agredida pelo marido, namorado ou antigo companheiro.
88,8% dos autores de crimes são companheiros ou ex
A maioria dos crimes tem como vítimas mulheres de 30 a 39 anos (29,8%). O número também é considerável na faixa entre 20 e 29 anos (28,2%). Os dados são referentes à chamada idade reprodutiva.
O feminicídio está intimamente ligado à violência doméstica, aponta o relatório: 88,8% são cometidos por parceiros ou ex-companheiros. Além disso, em 65,6% dos casos os assassinatos acontecem na residência da vítima.
Uma das alternativas para tentar diminuir o número de feminicídios, acredita a especialista, é promover grupos de reflexão para agressores, para evitar uma escalada de violência que possa culminar no assassinato da parceira ou ex.
“Eles seguem um padrão, aprenderam a se relacionar assim, acham que a mulher é inferior, não aceitam que ela tenha a própria vida ou se envolva com outra pessoa, caso se trate do fim de uma relação”, diz Samira. “Por isso, é preciso que participem de iniciativas para mudar essa mentalidade.”
Por Camila Brandalise e Maria Carolina Trevisan