Somos 51,7% da população, é passada a hora de ampliarmos nossa voz
(Folha de S. Paulo, 21/10/2019 – acesse no site de origem)
O exercício da política ainda é reduto masculino, apesar dos avanços conquistados. Por isso, sabíamos que o PL nº 5250/2019 causaria grande impacto, e não deu outra.
O projeto foi taxado de autoritário por fixar cotas femininas no Senado, garantindo equidade nas eleições nos anos em que há duas vagas em disputa, estabelecendo que uma deva ser sempre ocupada por uma mulher.
Integrei o grupo que apresentou o projeto e que inclui deputadas de diferentes correntes ideológicas: Perpétua Almeida (PCdoB-AC), Alice Portugal (PCdoB-BA), Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Maria do Rosário (PT-RS), Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Benedita da Silva (PT-RJ), Rejane Dias (PT-PI), Soraya Santos (PL-RJ), Carmen Zanotto (CIDADANIA-SC) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Garanto, em nome de todas, que essa fria reação não vai nos paralisar.
O projeto prevê o preenchimento de vagas e não apenas um percentual de mulheres na disputa eleitoral porque assim garantimos a escolha real de candidatas competitivas.
Diante das candidaturas laranjas, a conclusão lógica é que os atuais mecanismos já não são suficientes para garantir a nossa representatividade.
Somos 51,7% da população, segundo o IBGE, e não podemos nos contentar em ser, no Congresso, apenas 15% dos deputados e 14,8% dos senadores. É passada a hora de ampliarmos nossa voz.
Hoje, o Brasil ocupa o 126º lugar entre 192 países na representatividade de mulheres no Parlamento. Segundo o Fórum Econômico Mundial, entre 149 países, o Brasil está na 112ª posição no ranking que avalia o empoderamento político das mulheres. A Bolívia é o 14ª.
É no caso de Ruanda que encontramos o maior exemplo de como as cotas podem revolucionar a participação de mulheres na política. Logo depois da guerra, com o extermínio forçado de grande contingente masculino, as mulheres representavam 70% da população. Implementada a cota de 30% de participação nos cargos políticos, em 2003, o impacto foi tal que hoje 67% dos parlamentares do país são mulheres.
Há fartas evidências dos benefícios que traz a presença feminina na política. O estudo Close the political gender gap to reduce corruption (Elimine a diferença de gêneros para reduzir a corrupção), do U4 Anti-Corruption Resource Center (Noruega), por exemplo, mostrou que ter mais mulheres nos legislativos europeus reduziu a corrupção nas suas várias formas.
Já o trabalho das pesquisadoras Lori Beaman (Northwestern University), Esther Duffo (MIT), Rohini Pande (Harvard), e Petia Topalova (FMI) em 495 vilas na Índia, revelou que o aumento da presença de mulheres na política levou as meninas a dedicar menos tempo a afazeres domésticos, melhorar o desempenho educacional e manifestar aspirações de carreira mais próximas às dos meninos.
Ou seja, a igualdade de gênero na política tem também efeito positivo na construção de uma sociedade com igualdade de oportunidades.
O reacionarismo com que foi recebido nosso PL é prova de que nossa luta apenas começou. Mesmo com os mecanismos hoje em vigor, não é difícil concluir que nosso sistema permanece viciado e boicota nossa representatividade. E sem representatividade proporcional à nossa presença na sociedade, nossa democracia continuará deficiente.
Assim como nossas bisavós conquistaram o direito ao voto, cabe a nós mobilizar forças e avançar na luta por direitos iguais, para que a próxima geração de meninas nasça, de fato, sem limites para seus sonhos.
Por Tabata Amaral