Ativista de longa data, a colombiana Elizabeth Castillo encontrou no humor uma forma de atingir um público além da própria bolha
(Agência Patrícia Galvão – 26/11/2019)
No palco, a “agenda secreta gay” aparece enorme, repleta de brilho, e com uma meta audaciosa: conquistar o mundo. No decorrer do monólogo, a advogada Elizabeth Castillo recorre até a um “raio” capaz de transformar em homossexual quem estiver ao alcance de sua luz. Com elementos do stand-up comedy e muitos episódios da própria trajetória, ela faz do espetáculo A ver si nos entendemos uma nova forma de ativismo em Bogotá, na Colômbia, onde vive.
“Com essa agenda espalhafatosa em mãos, começo a brincar com o público. Digo que estamos tentando conquistar o mundo desde Onan, o personagem do Antigo Testamento que Deus mata por exercer sua sexualidade sem fins de reprodução”, afirma Elizabeth.
O trabalho está em formato de show de comédia, mas é, na verdade, uma estratégia para transformar o imaginário sobre a diversidade sexual.
Aos 49 anos, Elizabeth era conhecida no país como ativista e advogada especializada em direitos sexuais e reprodutivos. Até que, em fevereiro passado, estreou como comediante em uma das salas da Casa Ensamble, um centro cultural de Bogotá. De lá para cá, não parou mais. Continua a atuar como advogada, em especial como consultora, mas o humor entrou de forma definitiva na sua vida.
A mudança não ocorreu por acaso. Fazia tempo que a advogada percebia no riso um recurso para maior aproximação com o interlocutor. Isso ficava muito claro nos cursos de formação que ministrava, mas ela só se dedicou ao humor depois que outra ativista, muito amiga sua, morreu devido a uma infecção hospitalar. “Fiquei muito impactada. Essa mulher tinha tantas lutas como eu, tantos sonhos quanto eu. Morreu sem cumprir o que lhe faltava”, lembra Elizabeth. “Decidi que isso não aconteceria comigo.”
O primeiro passo foi pedir demissão da Secretaria da Mulher de Bogotá, onde atuava como diretora de Enfoque Diferencial. Na sequência, trocou outros trabalhos por dois projetos. O primeiro foi terminar o livro No somos etcétera, sobre a história do movimento LGBT na Colômbia. Ao mesmo tempo, fez um curso de stand-up comedy:
O formato me incomodava, pois reforça estereótipos, mas me dei conta de que poderia usar elementos dele. E contratei uma diretora de teatro que me ajudou a ocupar o espaço e a fazer isso de uma maneira bonita.
O livro No somos etcétera foi lançado no ano passado, meses antes de o espetáculo estrear. Com a bem-sucedida temporada de A ver si nos entendemos ainda em cartaz, Elizabeth planeja agora oferecer o espetáculo para exibição em empresas públicas e privadas. “É um desafio enorme, porque é a primeira vez que faço teatro, mas mudar a linguagem é uma aposta necessária”, diz.
Como ativista, já tinha feito de tudo. Só que estava falando sempre para as mesmas pessoas. O humor é uma forma de chegar a pessoas alheias a essas discussões.
A iniciativa faz sentido. O tema da diversidade sexual afetou até o acordo de paz entre o governo colombiano e o grupo guerrilheiro Farc (Forças Armadas Revolucionária da Colômbia). Em 2016, depois de mais de 50 anos de conflito e cerca de 220 mil mortos, o governo do presidente Juan Manuel Santos perdeu um plebiscito pela paz devido a uma campanha que associava o acordo à chamada “ideologia de gênero”.
Durantes as negociações entre o governo e a guerrilha, ficara definido que “homens, mulheres, homossexuais, heterossexuais e pessoas com identidade diversa” se beneficiariam do acordo em igualdade de condições. Foi o suficiente para que parte da população visse no texto uma ameaça à “família tradicional”.
No final, o acordo foi assinado, mas a Colômbia seguiu dividida. Não é, portanto, por acaso, que a advogada Elizabeth Castillo busca no humor uma nova ferramenta para trabalhar o imaginário sobre a diversidade sexual.
Por Luiza Villaméa