Novo relator diz que proposta ‘mexe com sentimentos religiosos’, mas promete buscar consenso com direitos da mulher.
(HuffPost, 16/12/2019 – acesse no site de origem)
Conhecido como Estatuto do Nascituro, o projeto de lei que inviabiliza o aborto legal está nas mãos de um novo relator na Comissão da Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara dos Deputados, Emanuel Pinheiro Neto (PTB-MT). A escolha foi feita pela pela presidente do colegiado, Luisa Canziani (PTB-PR) em 27 de novembro. Apesar da movimentação, devido ao fim do ano legislativo, o texto só deve ser votado em 2020.
Ao HuffPost Brasil, Emanuel afirmou que o tema é “extremamente polêmico” e, por esse motivo, ele quer promover uma ampla discussão com diferentes setores da sociedade antes de elaborar seu parecer. “Não quero pressa. Quero que prevaleça o debate e o bom senso”, afirmou. “Há forças querendo que eu vote pela rejeição, de imediato, mas eu quero debates nos estados, na Câmara. É um assunto polêmico, as pessoas se interessam e mexe com sentimento religiosos”, completou.
O Estatuto do Nascituro define que o feto é um sujeito de direito e por isso tem direito à vida, de modo a proibir o aborto sob quaisquer circunstâncias.
Hoje a interrupção da gravidez é permitida no Brasil em caso de risco de vida da mãe, gestação causada por estupro e quando o feto é anencéfalo. As duas primeiras previsões estão no Código Penal e a última foi decidida pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
De acordo com o PL 478/2007, o Estado fica proibido de privar o nascituro de direitos, independentemente de “deficiência física ou mental ou da probabilidade de sobrevida”, assim como fica impedido de “causar qualquer dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum de seus genitores”.
O texto prevê que, no caso de gravidez resultante de violência sexual, a gestante receberá acompanhamento psicológico e direito prioritário à adoção, caso queira. Já ao feto seria assegurada pensão alimentícia equivalente a um salário mínimo, até que complete 18 anos. Se o genitor não for identificado, caberá ao Estado o pagamento, chamado por alguns de “bolsa estupro”.
A medida chegou a ser defendida pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, antes de assumir a pasta, em dezembro de 2018. Para o novo relator, esse tipo de ação só seria admissível caso seja a vontade da mulher, mas não uma imposição.
Sobre a descriminalização do aborto, Emanuel afirma que é preciso “trazer especialistas e ouvir os fatos” sobre a realidade internacional, o funcionamento de clínicas clandestinas e ”se haveria coragem das mulheres em fazer aborto em clínicas regulares porque tem mulher que tem vergonha de mostrar para os pais que ficou grávida tão nova, algo nesse sentido”. “Tem de trazer especialistas e técnicos com dados que possam dar segurança de quais caminhos para tomar”, disse.
Em agosto de 2018, em audiência pública no STF sobre o tema, o Ministério da Saúde afirmou, em nota técnica, que “a carga da interrupção voluntária da gestação é alta […], com estimativa de quase 1 milhão de procedimentos não-legalizados por ano, que ocorrem de modo clandestino e, na maioria das vezes, […] inseguro”.
De seminarista a deputado
No primeiro mandato na Câmara dos Deputados, Emanuel pensava, até pouco tempo, em seguir a carreira religiosa e chegou a ingressar no seminário do Cristo Rei. Foi em 2016 que aumentou o interesse pela política durante a campanha do pai, Emanuel Pinheiro, para prefeitura de Cuiabá. Nessa época, ele assumiu a presidência do MDB Jovem, aos 21 anos, e deixou de lado a ideia de ser padre.
Questionado sobre o papel da religião na discussão sobre direitos reprodutivos, o deputado afirmou que não pode impor sua visão pessoal, mas defendeu que aspectos religiosos sejam considerados. “O debate deve ser feito tanto por aqueles que não professam religião, cuja fé é ateia, quanto por aqueles que professam alguma fé específica, mas não posso impor minha visão. Têm de ser consideradas as dimensões do ser humano. Tem de ser colocada em questão a dimensão religiosa, assim como a social, a científica”, afirmou.
De acordo com Emanuel, o objetivo é encontrar um equilíbrio entre a liberdade da mulher e o direito à vida. ”É um assunto muito delicado. Ao mesmo tempo que você tem instituições religiosas que pregam castidade, outros pregam o uso de preservativos. Há diversas formas de tentar evitar o problema até ter de avaliar a questão do aborto. Tudo isso tem de ser levado em conta porque a criança não pode pagar por isso. Agora tem aquele debate científico de a partir de quando é considerado ser humano. Tudo isso tem de ser colocado em pauta”, completou.
O caminho do Estatuto do Nascituro
Como não há mais reuniões da comissão da mulher em 2019, os próximos passos ficam para 2020, quando o comando do colegiado deve mudar. Emanuel pretende continuar na comissão para apresentar o parecer. Ele é atual vice-presidente do grupo.
Após essa votação, o texto ainda precisa passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) antes de seguir para o plenário da Câmara e, depois, para o Senado.
A escolha do novo relator do projeto de lei desagradou ao anterior, deputado Diego Garcia (Podemos-PR), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família e favorável ao Estatuto. Para ele, a mudança de legislatura não implicaria a troca de relatoria. Esse ponto foi definido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em resposta a questão de ordem apresentada pela deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), em fevereiro.
Presidente da comissão da mulher, Luisa Canziani, afirmou que a escolha foi feita com cuidado. “A gente tenta sempre trazer agilidade, mas entende que algumas pautas precisam observar o timing das discussões até para ter a maior clareza possível. Não queremos deixar paixões ideológicas e políticas entrarem nessa discussão. Inclusive tomei muito cuidado para escolher o relator. Vários deputados pediram, mas a gente procurou trazer uma pessoa extremamente aberta ao diálogo, que saiba transitar entre as duas visões em termos de Estatuto do Nascituro”, disse ao HuffPost.
Entre parlamentares contrários ao aborto legal, há uma insatisfação com o ritmo de propostas sobre o tema na Câmara. Também está parada a PEC (proposta de emenda à Constituição) 181/2015, que estabelece que a vida começa na concepção. O texto-base foi aprovado em uma comissão especial em novembro de 2017.
A movimentação foi uma resposta à decisão da Primeira Turma do Supremo que, em novembro de 2016, definiu que o aborto não deveria ser considerado crime no primeiro trimestre da gravidez, ao julgar um caso específico.
No tribunal, o tema é conteúdo também da ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) 442. A relatora, ministra Rosa Weber, realizou audiências públicas sobre o assunto em agosto de 2018, e não há previsão de quando irá apresentar seu relatório.
Por Marcella Fernandes