(Universa, 04/04/2020 – acesse no site de origem)
Após reportagem que traz denúncias de estupros praticados pelo ex-BBB Felipe Prior nesta sexta-feira (3), as mulheres, mesmo anônimas, passaram a ser acusadas de estarem “inventando” os abusos ou, então, de serem culpadas pelos crimes, uma vez que, nos três casos, as mulheres contam que estavam bêbadas.
Prior foi acusado de estupro por duas mulheres e de tentativa de estupro por outra, segundo relatos divulgados pela revista Marie Claire.
O caso ainda precisa ser investigado e, se for o caso, julgado sobre o que aconteceu, mas já se pode falar sobre a repercussão: o fato de uma pessoa estar bêbada não só não é justificativa para um estupro como faz com que o crime seja considerado ainda mais grave pela Justiça, com aumento de pena.
Segundo o Código Penal, o estupro de vulnerável, quando a vítima não consegue oferecer resistência ao ato por qualquer motivo, a condenação é de 8 a 15 anos de prisão. No caso do estupro sem o agravante, é de 6 a 10 anos.
O estupro, segundo a legislação, é quando uma pessoa constrange a outra a praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso mediante força ou grave ameaça. Não importa, portanto, o que a vítima bebeu nem a roupa que ela estava usando.
A promotora do Ministério Público de São Paulo Fabiana Dal’Mas, do Gevid (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica) atenta, porém, para as interpretações da Justiça: “Quando a mulher tem dificuldade de manifestar sua vontade, varia muito de caso. É uma questão de interpretação. Ou quando está bêbada. Nesse caso, se força a relação e faz a ameaça, é estupro, mas muitas vezes esses casso são considerados relação sexual consentida e se culpabiliza a vítima”.
“Mas por que ela denunciou só agora?”
Vários outros comentários tentam deslegitimar a palavra das possíveis vítimas pelo fato de os casos terem acontecido em 2014, 2016 e 2018. “Por que as coisas só aparecem depois de ele entrar no programa e não denunciaram antes? Achei estranho”, escreveu uma mulher no Instagram, sugerindo que só agora, com Prior famoso, é que há interesse em denunciá-lo.
“Cheiro de Najila no ar”, escreveu outra, referindo-se ao caso envolvendo o jogador Neymar Jr., denunciado pela modelo Najila Trindade por estupro.
Em geral, muitas mulheres não denunciam porque, em um primeiro momento, mal conseguem verbalizar para uma pessoa próxima o que aconteceu, principalmente por medo e vergonha.
Psiquiatra do Ambulatório de Sexualidade Humana do Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto, Thiago Dornela Apolinário explica que a dificuldade em contar o que aconteceu é uma característica da vítima de violência sexual.
“O trauma deixa a pessoa em uma condição de impotência e isolamento”, afirma Apolinário, que atualmente conduz uma pesquisa sobre as sequelas que as vítimas de estupro carregam. “Também existe muito medo do julgamento, o que faz com que a mulher não consiga expor o que aconteceu”, diz.