Pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica que o maior tempo de permanência junto ao agressor e as dificuldades financeiras oriundas da pandemia dificultaram busca por ajuda para sair da situação
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou nesta semana a 3° edição da pesquisa “Visível e Invisível: A vitimização de Mulheres no Brasil”. A pesquisa, realizada em parceria com o Instituto Datafolha e apoio da Uber, buscou compreender a percepção da população brasileira sobre a violência contra a mulher nos últimos 12 meses e também medir se as mudanças de hábitos ocorrida em função da pandemia tiveram impacto sobre esta questão. Contando com módulos de preenchimento misto (homens e mulheres) e módulos de preenchimento respondido apenas por mulheres, foi possível observar também como a percepção sobre o problema varia conforme o gênero do entrevistado.
De forma geral, identificou-se que uma em cada quatros mulheres brasileira (24,4%) acima de 16 anos afirmou ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses, período em que o país já lidava com a pandemia de Covid-19. Em números totais, isto significa que cerca de 17 milhões de mulheres brasileiras sofreram com algum tipo de violência no último ano. Em comparação aos anos anteriores, embora o número apresente um pequeno recuo, ele não indica uma diminuição do problema no país, mas sim estabilidade. Confirma essa hipótese o fato de 48% das respondentes da pesquisa apontarem que sofreram mais violência dentro da própria casa, representando um crescimento em relação à pesquisa anterior, em que o problema aparecia em 42% dos relatos. Por outro lado, violência ocorrida em espaços públicos como ruas, bares e baladas e escolas e faculdades apresentaram redução, aparecendo respectivamente, em 19,9%, 1,8% e 0,4% dos relatos.
Embora os autores da violência sejam historicamente os mesmos, neste ano eles também apresentaram crescimento: em 25,4% das respostas, o cônjuge, companheiro ou namorado apareceram como responsáveis pela agressão, seguidos por ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-namorado, mencionados em 18,1% dos relatos. A maior surpresa, no entanto, é o aumento de violência cometida por outros atores, como pais e mães (11,2%), irmãos e irmãs (4,4%), padrasto e madrasta (4,9%), filhos e enteados (4,4%), que nas pesquisas anteriores pouco apareciam.
O crescimento dos dados informados acima, que mostram que as mulheres sofreram mais violência dentro da própria casa e que os autores de violência são pessoas conhecidas da vítima – não só seus companheiros atuais e anteriores, mas também outros membros da rede familiar – apontam para o alto grau de complexidade que a questão da violência de gênero tomou no período da pandemia.
As mudanças ocorridas em função do período pandêmico foram, inclusive, apontadas como fatores importantes para a situação de violência sofrida no período: a perda de emprego ou impossibilidade de trabalhar para garantir a própria renda apareceram em 25,1% das respostas e a maior convivência com o agressor, em 21,8%
delas. A dificuldade para ir a uma delegacia da mulher ou até a polícia foram citadas em apenas 9,2% dos relatos. Ademais, os dados indicam também que as mulheres vítimas de violência tiveram sua rotina mais afetada do que os homens: enquanto 45,8% dos homens afirmaram que a renda familiar diminuiu, este percentual foi de 50,4% entre as mulheres que não sofreram violência e de 61,8% entre as mulheres que sofreram algum tipo de violência.
Nesse sentido, os motivos mais preponderantes que contribuíram com as ocorrências de violência doméstica no período da pandemia foram a perda de emprego por membros da família e a consequente diminuição da renda familiar. Tais fatores, muito presentes hoje na sociedade brasileira, marcada pelo massivo desemprego e pelo retorno de muitas famílias à linha da extrema pobreza, nos indicam também que as mulheres são as mais afetadas por essa questão porque ainda não conseguiram alcançar a sua autonomia financeira. Pelo contrário, muitas delas ainda se encontram em relação de forte dependência econômica e emocional com seus maridos, que via de regra, são seus principais meios de sustentação econômica. Denunciar o seu agressor, nesse contexto, não significa apenas dar fim a uma relação violenta, mas também perder o sustento econômico de sua família.
Em função disso, é bem possível que durante o período da pandemia, a subnotificação desses casos tenha aumentado. Nesse cenário específico, em que além da violência sofrida em si, outras preocupações surgiram no âmbito doméstico, como a perda de emprego e renda, estes últimos fatores podem ter feito com que as mulheres repensassem se valeria a pena realizar uma denúncia. O motivo apontado pelas respondentes da pesquisa para não buscar a polícia após à agressão sofrida, infelizmente, parece confirmar essa hipótese: 32,8% delas afirmaram que resolveram a situação sozinhas e 16,8% não consideraram importante fazer a denúncia.
Podemos, portanto, estar diante de um aprofundamento da privatização da discussão sobre violência contra as mulheres, uma vez que o aumento do número de violência ocorrida no ambiente da casa, a maior permanência dentro da residência junto ao agressor e as diversas dificuldades financeiras enfrentadas pelas famílias hoje no país parecem convergir não só para ocorrências mais constantes de violência contra a mulher, mas ao mesmo tempo para que a resolução de tais casos fique cada vez mais restrita aos muros da própria casa.