“Exu matou um pássaro ontem,
com uma pedra que só jogou hoje”
Ditado Iorubá
(Migalhas | 18/08/2021 | Por Lívia Sant’Anna Vaz)
É mais fácil arrancar uma árvore do solo quando suas raízes já foram cortadas. Mas Baobás1 têm raízes profundas! Essa metáfora é capaz de sintetizar a história de opressão e resiliência de pessoas africanas escravizadas no Brasil.
O sistema colonialista escravocrata não se contentava em aprisionar e coisificar corpos negros. Além disso, era preciso capturar nosso espírito livre, retirar nossa dignidade para nos manter subjugadas/os, o que envolvia romper nossa ligação com nossas origens, memória e ancestralidade. Para tanto, diversas estratégias foram utilizadas pelos colonizadores, dentre as quais a mudança dos nomes das pessoas escravizadas, a separação de famílias negras e a perseguição às práticas culturais e religiosas de matriz africana.
Nesse contexto, ao longo da história do Brasil, as religiões afro-brasileiras foram submetidas não apenas à marginalização social, mas também à repressão do Estado, por meio de seu aparato jurídico-político e policial. Embora atualmente assuma outras roupagens, o racismo religioso segue sendo reproduzindo pelos entes púbicos – notadamente pelo sistema de justiça -, como uma espécie de ciclo vicioso de repetição do passado.
A criminalização das religiões de matriz africana teve início antes mesmo de o Brasil possuir uma ordem jurídica própria, quando ainda era regido pelas Ordenações do Reino de Portugal. As Ordenações Filipinas – as últimas das ordenações aplicadas em terra brasilis e que tiveram maior tempo de vigência (1603-1830) -, em seu Livro V (Dos Crimes), criminalizava a heresia, com penas corporais (título I), e a feitiçaria (título III), com a pena capital. Não foram poucos os processos contra pessoas negras escravizadas acusadas de feitiçaria em virtude das práticas religiosas que a elas eram associadas, ainda que de modo imaginário, pelos senhores e senhoras.
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Lívia Sant’Anna Vaz
Promotora de Justiça do MP/BA; mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia; doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação do Ministério Público do Estado da Bahia. Coordenadora do Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo e Respeito à Diversidade Étnica e Cultural (GT-4), da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público. Indicada ao Most Influential People of African Descent – Law & Justice Edition. Prêmios: Comenda Maria Quitéria (Câmara Municipal de Salvador); Conselho Nacional do Ministério Público 2019 (pelo Aplicativo Mapa do Racismo).