Armas apontadas para elas

Parem de nos matar – Feminicidio – Arquivo Levante Feminista

Parem de nos matar – Feminicidio – Arquivo Levante Feminista

26 de setembro, 2022 Piauí

Agressor de mulher teve armas recolhidas, como manda a lei – mas conseguiu uma terceira e matou a vítima

(Carolina Ricardo e Natália Pollachi/Piauí) O país acompanhou aterrorizado as imagens da execução de Michelli Nicolich, assassinada em São Paulo na semana passada pelo seu ex-marido, Ezequiel Lemos Ramos, pai da criança de 2 anos que ele também matou. O agressor era registrado pelo Exército como CAC (categoria que inclui caçadores, atiradores e colecionadores) e já havia sido denunciado por Michelli por ameaças de morte. Ele chegou a ser preso preventivamente, e a delegada responsável pelo caso solicitou corretamente a apreensão de duas armas que ele mantinha em casa, além da suspensão do registro de Ramos junto ao Exército.

A legislação brasileira permite que, em caso de acusação de violência doméstica, o registro de armas do denunciado seja imediatamente suspenso e que seja solicitada a apreensão cautelar das armas. Tal possibilidade foi incluída na Lei Maria da Penha em 2019, por meio da Lei 13.880, cuja tramitação contou com apoio de várias organizações da sociedade civil, entre elas o Instituto Sou da Paz.

O agressor de Michelli, no entanto, teve a prisão preventiva convertida em uso de tornozeleira eletrônica como medida cautelar alternativa. Assim que a ex-esposa se mudou para São Paulo, esse uso não foi mais considerado necessário pela Justiça. Quatro meses após o boletim de ocorrência de ameaça, ele viajou mais de 1 mil km e usou uma terceira arma para cometer o duplo assassinato em plena luz do dia.

Esse caso reflete muitas questões estruturais e urgentes do país. De imediato, evoca a necessidade de colocar em prática políticas públicas multissetoriais e constantes para reforçar a igualdade de direitos em um país marcado pelo machismo estrutural. Graças a ele, nós, mulheres, ainda somos vistas como cidadãs de segunda categoria, como propriedades das nossas famílias ou companheiros, corpos à disposição, predestinadas a realizar o trabalho não remunerado de cuidado doméstico e familiar que viabiliza o funcionamento da sociedade.

O assassinato de Michelli Nicolich também explicita a necessidade urgente de rever o descontrole no acesso a armas e munições. O governo Bolsonaro desfigurou a legislação do setor por meio de decretos e portarias, boa parte legalmente questionáveis (havendo decisões do STF que suspendem parcialmente algumas das medidas). Os pronunciamentos públicos do presidente incentivam uma corrida armamentista diária. O resultado é inquestionável: mais que dobrou a quantidade de armas em mãos de pessoas comuns, especialmente as registradas como CACs – que podem comprar maiores quantidades, tipos mais potentes e não precisam justificar sua necessidade.

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas