Violência vicária – A violência desumana e velada contra mulher, por Marili Quadros

29 de março, 2023 Migalhas Por Marili Quadros

Chegamos na coluna Direitos Humanos em Pauta com espaço de voz para trazer à tona uma ponderação introdutória, mas necessária, acerca de uma das faces mais desumanas da violência contra a mulher, a perspectiva da violência vicária.

A violência vicária é aquela tida por substituição, ou seja, quando o ato violento é praticado contra uma pessoa, com a intenção real de atingir a vítima mulher. Dentre as formas da violência contra mulher, a violência vicária reflete o caráter desumano, pois para atingir a vítima, é comumente praticada contra crianças, filhos e filhas, mas possível também que alcance familiares, ou integrantes da rede de apoio da mulher, geralmente, outras mulheres: mães, irmãs, amigas.

O ano de 2023, no seu primeiro bimestre, apresenta sinais de que o combate à violência contra mulher retorna à pauta da estruturação de Políticas Públicas no Brasil, fato que nos leva como sociedade ao enfrentamento de velhos e novos desafios. Precisaremos avaliar os danos dos retrocessos vivenciados como resultado das estratégias dos últimos governos, ao mesmo passo que se torna imprescindível estabelecer espaços concretos para o real exercício do direito à igualdade de gênero e isso implica, sobretudo, no questionamento das nossas estruturas, sejam elas institucionais, públicas ou privadas, como também sociais, econômicas e jurídicas.

A igualdade de gênero se apresenta, em especial, no momento da (re)construção democrática do país, como instrumento social potente e capaz de encarar os desconfortos das mudanças que são urgentes e essenciais para o combate à violência e ao discurso de ódio, ao mesmo tempo que desenvolve o exercício da cultura da paz. Assim, conhecer a expressão real da violência vicária se torna imperativo no processo de descortinar aspectos velados da violência contra mulher e promover reflexões que nos façam avançar na promoção e consolidação do direito a igualdade de gênero.

A violência vicária se enquadra dentro das perspectivas de violência de gênero, pois a sua prática tem o objetivo de atingir a mulher. A substituição do direcionamento do ato violento, seja ele físico ou psicológico, à outra pessoa tem a intenção precípua de causar danos mais profundos e permanentes às mulheres. Assim, a violência vicária é sempre exercida por homens contra mulheres, usando como meio terceiros que mantém vínculos afetivos com a vítima principal, sejam esses vínculos de filiação, parentesco e/ou amizade.

Importa destacar, ainda, que a violência vicária se desenvolve no âmbito da vida privada, mas carrega em si um caráter público, quando nela se retrata a expressão social da tolerância à prática de abusos e atos violentos contra as mulheres, que aqui se estendem às outras pessoas, que, por sua vez, passam também a experimentar e sofrer diversos aspectos da mesma violência.

A defesa do direito das mulheres, então, se interessa pela discussão da separação entre as esferas da vida pública e privada, como afirma Carole Pateman1. O questionamento dessa estrutura social rompe o silêncio daquela tolerância, quando põe em xeque uma sociedade construída sob a divisão rígida entre o público e o privado, na qual uma esfera quase não interfere na vida diária da outra e, portanto, por ela não é responsável.

A quem interessa a permanência desse sistema social?

Assim, cria-se uma falsa sensação de que a sociedade e o Estado, quase nada podem fazer quando se trata de violência praticada no âmbito doméstico e/ou familiar, em especial, nos episódios da violência contra mulher, nos quais estão incluídos os casos de violência vicária.

Esta espécie de violência, portanto, torna-se uma representação cruel, pois ao atingir indivíduos com as quais a vítima se relaciona, o resultado do ato violento é, na maioria das vezes, o completo silenciamento pelo medo sofrido pela mulher de pôr em risco a vida de um ente querido, normalmente, seus filhos e filhas, pais, parentes e amigos. O extremo da violência vicária pode chegar à morte dessas pessoas. O Brasil tem casos notórios de homicídios de crianças praticados pelo pai, quando, na verdade, o que estava em disputa era o poder e o controle sobre a vida da ex-mulher ou ex-companheira.

O retrato da violência vicária se torna mais perceptível quando se analisa os casos judicializados que envolvem a disputa pela guarda dos filhos e das filhas. Muitas vezes, ao longo dos processos, as crianças e os adolescentes apresentam sinais de manipulação pelo pai, que utiliza como principal meio a violação da imagem e da honra da mãe, questionando diversos aspectos do exercício da maternidade.

Assim, não são raros os momentos em que homens se utilizam de manobras jurídicas e processuais numa tentativa de obter a custódia dos filhos e das filhas com o principal objetivo de violentar a mulher.

Também não menos raros, são os casos em que o Poder Judiciário, concede direitos aos pais, promovendo e legitimando a perpetuação da prática da violência vicária, pois acaba por condenar duplamente a mulher, a vítima da violência e muitas vezes também considerada ré em processos de denunciações caluniosas. A condenação ainda esbarra no afastamento, ainda que temporário, que a mulher sofre do convívio com seus filhos e suas filhas, bem como, nas transformações da sua rotina diária, que resultam no desgaste da sua saúde física e mental.

Nesse sentido, a violência vicária se expressa, em razão dos meios utilizados para a sua prática, como uma violência velada, pois os agressores encontram possibilidades legitimadas de continuar com o exercício da demonstração de poder de gênero, qual seja o controle sobre a vida das mulheres2, mesmo após o término das suas relações, alcançando os filhos e as filhas, com o aval do Estado.

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