Lei de alienação parental, criada em 2010 para proteger crianças em processos de divórcio, pune pais e mães que tentam colocar o filho contra o ex-cônjuge
“Não me leva, eu não quero”. No fórum de uma cidade do interior de Minas Gerais, a menina grita e agarra uma mesa para não ser retirada à força. Tapa os ouvidos com as mãos. A caminho do estacionamento, sob os cuidados da família do pai, pede: “Não vai fazer pinto pra mim? Promete? Você vai me devolver?”. A cena foi registrada pela administradora Maria*, de 43 anos, mãe da criança, no dia 9 deste mês, e o vídeo viralizou a partir da semana seguinte. Era o momento de uma busca e apreensão da Justiça em processo de inversão de guarda, que deu ao pai o direito de criar a filha de 5 anos e 9 meses.
A mãe o acusa de ter abusado sexualmente da menina e reclama que a decisão desconsidera um laudo psicológico que, apesar de inconclusivo, descreveu os relatos suspeitos e recomendou que a guarda permanecesse com ela. Mas foi o ex-companheiro que venceu a batalha com base na lei de alienação parental, criada em 2010 para proteger crianças em processos de divórcio, punindo pais e mães que tentam colocar o filho contra o ex-cônjuge. A lei se baseia numa suposta síndrome, descrita pelo psiquiatra americano Richard Gardner, em meados da década de 1980, que acometeria crianças em separações conflituosas. Seria desencadeada por ataques ou atos de difamação contra um dos pais. A medida legal visa estancar esse processo.
O dispositivo, entretanto, é alvo de críticos porque estaria favorecendo pais agressores e abusadores, acusados de violência física, psicológica e patrimonial contra mulheres e filhos. No começo deste mês, peritos da ONU apelaram ao novo governo eleito no Brasil para que a lei seja extinta.
Professora de Direito da UnB e procuradora da República, Ela Wiecko é favorável à revogação da lei, que considera problemática por judicializar as relações familiares e colocar os pais numa “lógica adversarial”.