Em segundo dia de conferência, especialistas debateram, na tarde desta sábado, 30 de março, as perspectivas de equidade de gênero no Sistema de Justiça brasileiro. A advogada e pesquisadora da Universidade do Porto, Lígia Fonseca; a coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação do Ministério Público do Estado da Bahia, Lívia Sant´Ana; e a integrante do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público, Maria Gabriela Manssur, participaram de um painel na 2ª Conferência de Promotoras e Procuradoras de Justiça da Região Nordeste, em Salvador (BA).
(CNMP, 31/03/2019 – acesse no site de origem)
A atividade foi aberta pela Procuradora-geral da República e presidente do Conselho Nacional do Ministério Público, (CNMP), Raquel Dodge, que fez a mediação do debate. Dodge ressaltou a importância de ouvir as especialistas. “Nós todas, que temos o interesse de trabalhar pela equidade de gênero e pelas igualdades, às vezes, não compreendemos como podemos conduzir a pauta, quais são as dificuldades e resistências. Por isso, é muito importante ouvi-las. Serve para nos inspirar, para iluminar e fortalecer essa agenda”, afirmou.
A palestrante internacional Lígia Fonseca, professora da Universidade do Porto, apresentou resultados de sua pesquisa Aspectos de Gênero e Experiências Profissionais de Advogados e Magistrados, realizada em Portugal. Lígia desenvolveu um estudo empírico, entrevistando 28 profissionais da Justiça, com foco em suas motivações para escolher e permanecer na carreira, como também suas vivências institucionais. A pesquisadora chamou a atenção para o impacto da responsabilidade diferencial que a mulher tem com a gestão da família, da casa e com o cuidado com os filhos. “Por muito nobre que seja esse papel, quando olhamos para isso objetivamente, nós vemos que, no caso das magistradas portuguesas, o fato de elas terem um conjunto de responsabilidades as impede de investir da mesma maneira na sua formação profissional; e esse investimento, como cursos, mestrado e pós-graduação, é importante para progressão na carreira”, explicou.
Em seguida, a promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia Lívia Maria Sant’ Ana ponderou que gênero não é um conceito universal e destacou a importância de construir uma perspectiva que considere a interseccionalidade entre gênero e raça. “Nós discutimos muito aspectos de gênero, esquecendo da questão de raça. Isso invisibiliza a mulher negra. Na nossa instituição, é grave, porque gera uma invisibilização da questão racial”, afirmou. Para Lívia, o Ministério Público brasileiro precisa enfrentar quaisquer aspectos de racismo institucional, que reproduza a hierarquização das pessoas segundo a cor da pele.
Já Gabriela Manssur, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e integrante do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público, evidenciou, em sua apresentação, a baixa representatividade e quase ausência das mulheres em espaços institucionais, expressos em reuniões, eventos, cursos, congressos e meios de comunicação do MP. Na concepção da promotora, esta ausência de participação feminina e de reconhecimento pode ser considerada uma violência institucional, que tem implicações, inclusive, na saúde das mulheres. “Nós estamos trabalhando, com dedicação, colocando, muitas vezes, em cheque, a nossa vida pessoal, a nossa saúde. Muitas mulheres estão adoecendo na carreira por falta de um olhar de gênero, da condição da mulher no trabalho”, ressaltou.
Gênero e raça
Como desdobramento do painel temático, a presidente do CNMP, Raquel Dodge, sugeriu que a perspectiva interseccional entre gênero e raça, exposta por Lívia Santana, fosse incluída nas próximas edições das Conferências Regionais de Promotoras e Procuradoras de Justiça, o que foi unanimemente aprovado.
“Lívia nos trouxe uma contribuição extraordinária que aprimora o debate de gênero, incluindo nele o recorte de raça. Eu queria, com a permissão de vocês, pedir que sua perspectiva se incorpore no debate das três edições seguintes e que ela nos ajude a organizá-las com esse viés”, afirmou Dodge.
Promovida pelo CNMP em parceria com a União Europeia e com a as Procuradorias-Gerais de Justiça, a conferência em Salvador é a segunda de cinco que fazem parte do projeto. A primeira, em Manaus, ocorreu nos dias 21 e 22 de fevereiro. As próximas serão realizadas em Goiânia, Vitória e Porto Alegre, ainda no primeiro semestre. Objetivo é colher manifestações e reunir propostas para implementação da equidade de gênero no sistema de Justiça.
Plenária Final
Após o painel, foi realizada a plenária final, em que as participantes debateram e aprovaram as propostas apresentadas na durante a realização de oficinas temáticas. Ao todo, foram aprovadas 25 propostas.
As ações sugeridas e validadas tratam do ingresso, permanência e movimentação na carreira, condições de trabalho, gênero e família, empoderamento, liderança e participação político-institucional.