Em entrevista ao USP Analisa, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto explica que, embora haja casos em que a mulher tem esse direito, criminalização do procedimento em geral traz dúvidas aos profissionais da saúde
(Thais Cardoso/ Jornal da USP) Embora a legislação brasileira traga uma série de garantias aos direitos das mulheres, na prática, o acesso a esses direitos é dificultado e até mesmo negado ao público feminino. O USP Analisa discute esse cenário neste mês em uma entrevista especial com a professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP e coordenadora do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Feministas, Fabiana Severi.
Um dos principais tabus quando se fala em direitos da mulher é o aborto. No Brasil, segundo Fabiana, ele é considerado crime pelo Código Penal exceto em três casos: estupro, fetos anencéfalos (quando ele apresenta cérebro subdesenvolvido e crânio incompleto) e risco à vida da mulher. Nessas situações, a professora explica que não é necessária autorização judicial, basta que a mulher procure um serviço especializado ou mesmo o próprio Sistema Único de Saúde (SUS).
“Só que como o aborto é criminalizado e o aborto praticado por terceiros é um crime com uma pena muito alta, os profissionais de saúde tendem a dificultar, seja por razões morais, porque eles mesmos acham que a prática do aborto é algo reprovável, ou porque têm medo de serem enquadrados no tipo penal. Ele acaba ficando nessa dúvida e aí exige uma série de papéis. Então o que a gente vê, de modo geral, é um excesso de exigências de documentação que são desnecessárias pelo desenho da lei”, diz ela.
De acordo com Fabiana, o Brasil é signatário de tratados que consideram a criminalização do aborto uma violação de direitos humanos, o que sinaliza um compromisso de, ao longo do tempo, adequar a legislação interna ao que dizem esses documentos. “Quando a gente fala de descriminalização total do aborto, não significa que a gente vai fazer bandeiras e incentivar o aborto como um método contraceptivo. Significa só dizer que o direito penal não vai ser mais um recurso do Estado para lidar com o aborto. Então os serviços de saúde, por exemplo, podem receber essa mulher, informá-la sobre riscos, sobre problemas, orientá-la e aí eventualmente ela decidir se faz o aborto ou não, que é o que acontece em boa parte dos países em que há descriminalização total”, explica.