Seis deles preveem pena de morte; em 2 anos, 3 países descriminalizaram a prática
(Folha de S.Paulo, 20/03/2019 – acesse no site de origem)
Relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo são consideradas um crime em 70 países, mostra o principal relatório mundial sobre o tema, lançado nesta quarta-feira (20).
O levantamento “Homofobia de Estado”, que está em sua 13ª edição, é realizado pela ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Trans e Intersexuais) junto com mais de mil organizações do mundo todo.
A contagem inclui apenas nações membros da ONU —são 193, das quais 35% criminalizam a homossexualidade atualmente.
Dos 70 da lista, 68 têm leis explícitas contra a prática e outros dois, Iraque e Egito, fazem uso indireto de outras leis para perseguir e condenar pessoas por esses atos. Em muitos casos (44 países), a proibição vale para os dois gêneros. Nos demais, só para homens.
A maioria está na África: são 33 nesse continente, além de 22 na Ásia, 9 nas Américas e 6 na Oceania. Nenhum deles fica na Europa. Um levantamento do Acnur (agência da ONU para refugiados) de novembro do ano passado mostrou que 89% dos estrangeiros que solicitam refúgio no Brasil por perseguição em virtude de sua orientação sexual são africanos.
Mundialmente, a pena para relações entre pessoas do mesmo sexo varia de multas e prisão (inclusive perpétua) até morte —caso de Irã, Arábia Saudita, Iêmen e Sudão a nível nacional e de Somália e Nigéria em algumas províncias.
Na última edição do relatório, de 2017, eram 72 os países da lista. Desde então, a prática foi descriminalizada na Índia e em Trinidad e Tobago, em 2018, e, mais recentemente, em 2019, em Angola.
Segundo Lucas Ramón Mendos, autor do relatório, o caso mais emblemático foi o da Índia —onde a Suprema Corte determinou, em setembro de 2018, que uma lei da época do Império Britânico que previa dez anos de prisão para atos sexuais “contra a ordem da natureza” era inconstitucional. “É a maior democracia do mundo, a mais populosa. Com essa mudança, reduziu-se muito a quantidade de pessoas que vivem em países que criminalizam relações homossexuais”, afirma.
De acordo com os cálculos da ILGA, em 1969, 74% da população viviam em países onde ser homossexual era crime. Agora, 50 anos depois, a porcentagem é de 23%. Antes da mudança na lei indiana, era de 41%.
Por outro lado, houve um retrocesso relevante de 2017 para cá: após dez anos sem que nenhum país novo entrasse para a lista da criminalização, o Chade, na África, aprovou uma lei nesse sentido.
“Nos últimos anos, a tendência mundial irrefutável tem sido em direção à descriminalização. Tivemos duas exceções: o Burundi, em 2009, e agora o Chade”, diz Mendos. “O país nunca tinha tido esse tipo de legislação, é a primeira vez. Surgiram sentimentos motivados por questões culturais e religiosas que identificam a diversidade sexual como não africana”, explica.
A média tem se mantido em um a dois países que deixam a lista a cada ano. Mas Mendos afirma que o ano de 2019 pode ter “boas novidades”. “Em Botsuana e no Quênia, há movimentos que podem levar a eliminar as leis de criminalização. Isso aumentaria a média, já que com Angola seriam três países.”
O pesquisador destaca que houve avanços em termos de proteção, com mais países criando normas contra a discriminação com base na orientação
sexual. No total, são 52 os que têm legislação desse tipo na área da saúde, educação e comércio de bens e serviços e 73 os que protegem contra preconceito no ambiente de trabalho.
Além disso, quatro novos países legalizaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo: Austrália, Áustria, Alemanha e Malta. Agora, são 26 (13% do total) os que aprovam esse tipo de união.
Também houve expansão das leis regionais que proíbem a terapia de conversão —a chamada “cura gay”—, em países como Estados Unidos, Espanha e Canadá.
No entanto, ele contém o otimismo ao falar do ressurgimento de movimentos conservadores na Europa e na América Latina. “Temos visto uma sofisticação e maior organização do discurso contra a chamada ideologia de gênero, algo que é muito perigoso para a diversidade sexual”, afirma.
O relatório inclui o Brasil entre os países onde esse tipo de discurso prospera, citando a eleição de Jair Bolsonaro e a frase da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, de que “menino veste azul e menina veste rosa”. “Ainda é cedo para saber os reais efeitos da eleição de Bolsonaro, mas nos preocupa bastante o discurso que houve especialmente durante a campanha. Se isso se traduzir em ações, será extremamente
preocupante”, afirma Mendos.
O documento destaca ainda, como pontos negativos, que ao menos 32 países proíbem propaganda que mencione homossexualidade ou relações “não tradicionais” e 41 colocam barreiras para ONGs que trabalham com temas relacionados à orientação sexual, o que coloca muitos defensores dos direitos humanos em perigo.
PAÍSES ONDE É CRIME SER HOMOSSEXUAL
Afeganistão
Antigua e Barbuda
Arábia Saudita
Argélia
Bangladesh
Barbados
Botsuana
Brunei
Burundi
Butão
Camarões
Comores
Chade
Dominica
Egito
Emirados Árabes Unidos
Eritreia
Etiópia
Gâmbia
Gana
Granada
Guiana
Guiné
Iêmen
Ilhas Maurício
Kuwait
Líbano
Libéria
Líbia
Malásia
Maláui
Maldivas
Marrocos
Mauritânia
Mianmar
Namíbia
Nigéria
Omã
Papua Nova Guiné
Paquistão
Qatar
Quênia
Samoa
Santa Lúcia
São Cristóvão e Neves
São Vicente e Granadinas
Senegal
Serra Leoa
Singapura
Síria
Somália
Sri Lanka
Suazilândia
Sudão
Sudão do Sul
Tanzânia
Togo
Tonga
Tunísia
Turcomenistão
Tuvalu
Uganda
Uzbequistão
Zâmbia
Zimbábue
Flávia Mantovani