A entrada ou a volta das mulheres no mercado de trabalho encontra nas tarefas de casa um empecilho. Uma em cada cinco mulheres informou que não busca trabalho porque precisa cuidar de afazeres domésticos, dos filhos ou de algum outro parente. O resultado consta da Síntese de Indicadores Sociais divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) com dados referentes a 2018.
(Universa, 07/11/2019- acesse no site de origem)
A pesquisa revelou que 19,7% das entrevistadas afirmaram não ter tomado providência para conseguir uma ocupação por ter que cuidar de afazeres domésticos, de filho ou de outro parente —que pode ser criança, idoso ou deficiente. O número é nove vezes maior que o de homens. “O mesmo motivo representou apenas 2,2% das respostas dos homens, corroborando os dados apresentados anteriormente sobre a desigualdade de gênero na realização de atividades domésticas”, diz o IBGE.
Ainda segundo a pesquisa, os resultados “fundamentam a importância que é atribuída à expansão da rede de cuidados para crianças, idosos e pessoas com deficiência para ampliar a participação das mulheres no mercado de trabalho, o que, por sua vez, poderia implicar crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] e das receitas tributárias do país”, afirma.
Por esse motivo, em 2018 as mulheres eram maioria nos três componentes da subutilização da força de trabalho, chegando a representar 59,3% da força de trabalho potencial. Além disso, assim como em todos os anos anteriores, as mulheres ainda seguem recebendo salários menores que os homens: R$ 2.382 em média para eles, R$ 1.874 para elas.
A arquiteta Mariana Lopes, 33, conta que decidiu cuidar da filha por “uma conjuntura de fatores”. Ela lembra que morava no Rio de Janeiro por quase seis anos e resolveu voltar para Maceió.
“Eu voltei num dia e descobri que estava grávida no outro. E aí era final de ano e não quis procurar emprego grávida porque sabia que ninguém ia querer me contatar. Aí depois que Maria flor nasceu não procurei emprego porque eu vi que não ia valer a pena e talvez o salário que eu recebesse não ia ser o suficiente pra pagar ou daria somente pra pagar a creche ou babá”, explica.
Ela diz que também não queria colocar a filha ainda pequena em uma creche ou deixar com babá. “Depois que ela nasceu, achei que era importante estar junto dela nessa primeira infância e meu marido trabalha de manhã e só volta de novo. Achei que seria importante para mim e para ela estar com ela nesse período. Foi opção minha, eu que quis. Não valia a pena ficar trancada 8 h dentro de um escritório sem ver minha filha crescer “, explicou.
Falta o homem entrar nas tarefas domésticas
vDoutora em comunicação e pesquisadora do tema, a professora da rede Laureate Beatriz Beraldo acredita que o homem não ingressou como deveria nos afazeres de casa —o que leva mulheres, em regra, a se manterem na missão.
“Existe uma constatação pouco comentada, mas que da qual as mulheres têm muita consciência, que é o fato de que a mulher ‘entrou’ no mercado de trabalho, mas os homens ‘não entraram’ nas atividades domésticas. A sobrecarga feminina produz dificuldades no ingresso, mas, principalmente na manutenção do emprego”, afirma.
Para ela, as famílias de baixa renda normalmente são as mais afetadas pela dificuldade financeira em contratar serviços —embora ela veja um problema de dimensão maior e atingindo mais estratos.
“Isso afeta especialmente a parcela mais pobre da população que não têm acesso à creche perto de casa, por exemplo. Mas é um fenômeno que atinge as camadas médias também. Recentemente, o recurso das ‘creches parentais’ tem sido uma alternativa para as mulheres autônomas conseguirem alguns dias da semana para trabalhar em suas atividades”, pontua.
Desigualdade entre os sexos no desemprego
A Síntese do IBGE também traz outras constatações que mostram como a mulher é prejudicada em vários aspectos ligados ao trabalho.
Um dos pontos apontados é que que a crise econômica levou mais mulheres para o trabalho para ajudar a renda das famílias. Entretanto, “sua taxa de participação em 2018 permaneceu bem aquém à dos homens, 52,9% e 72,0%, respectivamente”.
No quesito desocupação, estrato mais afetado entre as mulheres é o grupo das pessoas de até 29 anos, com uma diferença de 5 pontos percentuais entre homens e mulheres em 2018 — 25% a 20%, respectivamente.
“A desigualdade entre os sexos na taxa de desocupação diminui nos grupos de idade mais avançada, o que pode ser atribuído à saída mais cedo das mulheres da força de trabalho, que reduz a pressão sobre o mercado de trabalho. As taxas de desocupação dos homens e das mulheres, desagregadas por grupos etários”, diz a Síntese.
Ainda segundo a pesquisa, entre as mulheres, o nível de instrução aparece com maior influência do que entre os homens —ou seja, mulheres com menos escolaridade têm mais dificuldades de entrar no mercado de trabalho.
“Em 2018, a taxa de participação das mulheres com ensino superior completo era 2,6 vezes maior que a das mulheres sem instrução ou com ensino fundamental incompleto; já a dos homens mais escolarizados era 1,5 vez maior que a dos menos escolarizados.”
Por Carlos Madeiro