(Por Cláudia Collucci para Folha de S.Paulo, 20/04/2016) Até um mês atrás, o vírus da zika era o protagonista dos noticiários do país. Agora, parece que nem mais figurante ele é. De repente, sumiu do radar da mídia, como se não existisse mais. Perdeu espaço para o surto antecipado da gripe H1N1, e, agora, com o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), é que não tem vez mesmo.
Mas não se enganem. Tudo continua igual, inclusive a falta de respostas para muitas das questões. Quantas pessoas já tiveram zika no país? Como está a circulação do vírus? Por que a concentração de microcefalia continua apenas no Nordeste?
As promessas também seguem sem cumprimento. Cadê o teste sorológico para zika nas unidades de saúde? Não há. Os técnicos dizem que existem muitos casos suspeitos de zika no fosso dos casos não confirmados de dengue.
E cadê o repelente prometido para as grávidas do SUS? Ninguém sabe, ninguém viu.
No Nordeste, as mães de bebês com microcefalia, agora também longe dos holofotes, continuam na peregrinação em busca de atenção e cuidados. No comovente documentário “Zika” que dirige, a antropóloga Débora Diniz deu voz a mulheres vítimas da zika na Paraíba.
Vamos conhecer a angústia de Amanda ao fazer o ultrassom e confirmar que a menina que espera tem microcefalia. Ao sair do consultório da médica, a câmera acompanha os seus passos lentos, quase cambaleantes. Alguns metros adiante, ela se ampara na parede.
Marina se queixa de falta de ar. O aumento do líquido amniótico provocado pela não deglutição do bebê microcéfalo a faz sentir sufocada. Por causa dos riscos à saúde, a interrupção da gravidez é autorizada. Marina chora. Adriana Melo, a médica, também.
“De tanto ver a dor de vocês, a dor também é minha. O que a gente pode fazer é segurar nas mãos, abraçar e procurar respostas para que outras mães não passem por isso”, diz. A médica, de Campina Grande, foi quem primeiro estabeleceu o nexo entre a infecção por zika e os casos de microcefalia.
Alessandra é mãe de Samuel, o menino que ela sempre sonhou em ter. Ao saber que filho tinha microcefalia, seu maior medo não foi o de cuidar de um bebê com limitações, mas sim perder o filho tão sonhado. “É coisa mais linda que Deus me deu.”
Angelica relata a luta quase que diária para ver os direitos da sua bebê garantidos. Para levar à filha às sessões de fisioterapia, precisa de transporte da prefeitura. Mas não raras as vezes o carro está sem gasolina. “Eles sabem que o tratamento fixo, mas a gente tem que ficar ligando, esperando a boa vontade.”
O bebê de Gessica teve diagnóstico de microcefalia na 20ª semana de gestação. Em razão das graves alterações do bebê e do acúmulo de líquido amniótico, ela poderia ter optado por interromper a gestação, mas preferiu ir até o fim. “Quis ter o prazer de pegar meu filho uma vez na vida. Na UTI, falei e brinquei com ele, disse que eu o amava muito”. Logo depois, o bebê morreu.
Gessica autorizou que fossem retirados os órgãos e as vísceras do menino para análise, o que foi fundamental para que associação do vírus com a má-formação fosse estabelecida. “Não dava para parar ali. Mesmo com a partida dele, não poderia ser egoísta e deixar as mães sem resposta diante de tantas perguntas.”
Mais do que mostrar os efeitos da zika na vida das personagens, o filme de Débora Diniz fala de amor. É impossível não se contagiar com ele. Assistam ao documentário:
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