(El País, 18/02/2016) Sexo seguro. É a recomendação da maioria das autoridades de saúde diante da expansão do zika vírus e sua ligação com o desenvolvimento de microcefalia em bebês nascidos de mulheres infectadas. Esse é o conselho da Organização Mundial da Saúde (OMS), das autoridades norte-americanas e europeias, assim como dos Governos de países como o Equador, Colômbia e El Salvador. Mas é uma recomendação difícil de se cumprir na América Latina – que concentra o surto –, onde o acesso aos anticoncepcionais é limitado e desigual. É calculado que na região, onde muitas mulheres não têm a opção de uma maternidade livremente escolhida, 56% das gravidezes não são planejadas.
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A ONU estima que por volta de 220 milhões de mulheres casadas ou que vivem com seu companheiro não têm acesso a métodos anticoncepcionais modernos nos países em desenvolvimento. Mais de 24 milhões delas vivem na América Latina. Conseguir preservativos, pílula anticoncepcional e DIU é praticamente impossível para 33% dessas mulheres no Haiti, 17% das guatemaltecas, 15% das argentinas e 12% das salvadorenhas. Além das barreiras financeiras, religiosas, culturais e sociais, existe o gravíssimo problema da violência contra a mulher no continente.
Nesses países, além disso, as organizações contrárias aos direitos sexuais e reprodutivos combatem ferozmente qualquer abertura às opções para que as mulheres possam decidir sobre sua maternidade. Um discurso que não terminou durante a epidemia de zika e que não teve muita colaboração da igreja católica. Em alguns países, como Porto Rico, a hierarquia da igreja já se pronunciou diretamente contra a contracepção. O que coloca mais peso sobre os ombros das mulheres. O planejamento familiar salva vidas e diminui a necessidade de se recorrer ao aborto, proibido em sete países americanos – República Dominicana, Chile, El Salvador, Haiti, Honduras, Nicarágua e Suriname – e muito limitado em quase todo o resto, incluindo no Brasil, onde os casos de microcefalia despontaram.
Porque, como alertam os especialistas, ter leis mais restritivas não impede as interrupções voluntárias da gravidez. Somente as tornam mais perigosas e um problema real de saúde pública – os abortos inseguros representam 13% das mortes maternas –. Uma mulher que precise interromper sua gravidez tentará fazê-lo, sem se importar com as restrições e as consequências, como indica uma pesquisa do Instituto Guttmacher e da OMS.
A ONU pediu semanas atrás aos países afetados pelo zika que garantam o acesso aos métodos anticoncepcionais e ao aborto. Mas poucos deles colocaram em andamento campanhas e programas intensos para fomentar, por exemplo, o controle de natalidade. De fato, não é a primeira vez que os Governos da região ignoram recomendações semelhantes. Como El Salvador, que foi alertado mais de uma vez pelas Nações Unidas e outras instituições internacionais por sua proibição total da interrupção voluntária da gravidez. Nesse pequeno país centro-americano, vinte mulheres estão presas por complicações durante a gravidez que foram consideradas abortos frustrados e homicídios agravados – pelo avançado estado da gestação –.
Acesse no site de origem: Maternidade escolhida livremente, por Maria R. Sahuquillo (El País, 18/02/2016)