(El País, 27/01/2015) A Tailândia está dando um passo à frente na proteção aos direitos de gênero: a nova Constituição poderá reconhecer as pessoas transexuais como pertencentes a outro gênero, que não o feminino nem o masculino. O comitê encarregado de redigir o rascunho, um grupo escolhido pelo Governo militar que tomou o poder depois de um golpe de Estado em maio, começou a trabalhar nesse novo projeto, que pode ser aprovado em agosto. “Se nos reconhecerem, talvez as pessoas como nós possam viver como gente normal e ter um trabalho normal, seja qual for nossa aparência. Queria ser comissária de bordo, médica ou outro trabalho que possa ser feito pelas mulheres”, diz Ni, transexual de 28 anos.
A Tailândia é conhecida como a indústria internacional da mudança de sexo, mas a sociedade, predominantemente budista, continua a ser muito conservadora. Há a crença de que os transexuais tenham carma ruim, em razão do adultério em suas vidas passadas. Até 2011 o Ministério da Defesa os considerava pessoas com problemas psicológicos crônicos. Os Kathoey, como são chamados na Tailândia os homens com aparência de mulher, são com frequência ridicularizados ou rejeitados por sua famílias. Para eles é muito mais difícil o acesso ao mercado de trabalho, não importa seu nível educacional, segundo o Unaids (programa da ONU sobre o HIV/AIDS).
O principal problema enfrenta pelo coletivo, segundo transexuais e ativistas, é que o Governo tailandês não permite alterar a designação de gênero em seus documentos de identidade. Isso abre a porta para a discriminação e para o abuso. Por exemplo, muitos empregadores não querem ter complicações, se outra pessoa considerada normal puder ser contratada. “A discriminação faz que os transexuais sobrevivam com o trabalho sexual, porque existem homens fascinados pelos seus corpos e porque não precisam validar sua identidade como feminina para realizar esse trabalho”, diz Jamison Green, presidente da Associação Profissional Mundial de Saúde para Transexuais.
Outros transgêneros encontram obstáculos para viajar ao exterior, porque aparecem como homens em seus passaportes, mas têm o aspecto de mulheres quando se apresentam no guichê de imigração. “Sou uma mulher, mas meu documento de identidade diz que sou homem. Se alguma vez me prenderem, irei para uma prisão para homens. Se vou para o hospital, preciso ficar com os homens”, diz Nitsa Katrahong, vencedora do Miss Tiffany’s Universe 2014, concurso anual de beleza para transexuais promovido na cidade tailandesa de Pattaya.
No esboço da nova Constituição não se contempla a possibilidade de mudança de gênero nos documentos oficiais. “Podemos acrescentar um novo gênero, mas não trocar seu sexo de nascimento”, afirma Kamnoon Sidhisamarn, porta-voz do comitê encarregado da redação. Esse rascunho, além disso, não menciona a orientação sexual, deixando os coletivos gays e lésbicas sem nenhum tipo de proteção. “Quando se fala de terceiro gênero, parece que são reconhecidos explicitamente os LGBT – sigla que designa coletivamente lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, mas no esboço só se fala sobre gênero. Isso é como ter somente metade do bolo. Tanto gênero quanto orientação sexual precisam ser protegidos. Se quiserem defender os direitos humanos e dar fim à discriminação, o comitê precisa incluir esse tipo de linguagem no projeto”, explica Phil Robertson, do Human Rights Watch. “Queremos ser tratados como iguais, todos temos os mesmos direitos humanos e não somos invisíveis”, declara Chayanit Itthipongmaetee, estudante homossexual de 21 anos.
Se o esboço da Constituição for aprovado em agosto, haverá um grande avanço legal: a Tailândia aceitará pela primeira vez um novo gênero, como fizeram recentemente outros países asiáticos, como a Índia, o Paquistão e o Nepal.
Ana Salvá
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