Com ou sem Cunha, pauta conservadora na Câmara deve continuar em 2016

05 de janeiro, 2016

(iG, 05/01/2016) Para aprovar matérias violadoras de Direitos Humanos, Cunha dominou as comissões especiais com sua tropa de choque. As propostas atentam contra o direito de mulheres, índios, negros, gays e outros segmentos sociais

Nunca a pauta conservadora e violadora de direitos humanos avançou tanto na Câmara dos Deputados como na gestão do atual presidente da Casa, Eduardo Cunha.

Matérias como o Estatuto da Família, desarmamento, redução da maioridade penal, propostas que atentam contra direitos de índios, negros e gays, além de projetos que garantem poderes maiores igrejas avançaram em comissões especiais e no Plenário da Câmara, em uma ofensiva conservadora jamais vista na Câmara.

As perspectivas para 2016 são ainda mais obscuras na avaliação de movimentos sociais e de setores do governo que acompanham o desenrolar destas matérias no Congresso.

Isto porque, mesmo que Cunha saia da Presidência da Câmara, ou perca o mandato devido as denúncias de corrupção e de quebra de decoro parlamentar, a composição da Câmara é muito conservadora, com parlamentares ligados a igrejas e a setores rurais e bélicos em número bastante superior.

Estratégia de domínio

O método utilizado para dominar o andamento da Câmara foi o de priorizar a criação de comissões especiais. Assim, Cunha pode dominar as indicações para a composição destes colegiados com maior facilidade e, praticamente anulou o trabalho das comissões permanentes da Câmara.

Pelo Regimento Interno da Câmara, as comissões especiais são criadas pelo presidente da Casa quando o assunto é de interesse de mais de três comissões permanentes. A avaliação deste quesito é uma prerrogativa do presidente da Casa.

Cunha usou e abusou desta atribuição na criação de comissões que já saiam de seu gabinete com pelo menos 10 integrantes já indicados por líderes aliados dele e com o compromisso de votarem de acordo com as mesmas convicções. Foram criadas só em 2015 mais de 100 comissões especiais na Câmara.

Em algumas comissões o governo conseguiu contar com apenas cinco parlamentares mais progressistas em um universo de 25 a 30 deputados. Isso ocorreu, por exemplo, como as comissões que aprovaram a redução da maioridade penal e o Estatuto da Família, proposta que reduz o entendimento de família somente os núcleos formados pela união de homem e mulher.

Manobras

Para a aprovação das matérias de interesse da bancada religiosa, dos ruralistas e da chamada bancada da bala, Cunha se utilizou de manobras regimentais para que as pautas avançassem com mais celeridade, um movimento exatamente ao contrário do adotado por ele quando o assunto foi o processo de investigação, por quebra de decoro parlamentar, no Conselho de Ética da Câmara.

Cunha atrasou ou cancelou a ordem do dia, para deixar que as comissões aprovassem as matérias, ao passo que, em relação ao Conselho de Ética, abriu a ordem do dia antes do horário. Cunha conseguiu atrasar por oito sessões o trabalho do Conselho de Ética de apreciar o relatório que pedia investigação contra ele.

Com isso, o Estatuto da Família foi aprovado em comissão especial e a redução da maioridade penal foi aprovada, tanto na comissão, quanto no Plenário, em dois turnos de votação.

Mulheres

Entre as propostas que também avançaram em 2015 está o de autoria do próprio presidente da Câmara, que dificulta o acesso ao aborto nos casos já previstos na lei brasileira.

O PL 5069, por exemplo, impede que profissionais de saúde orientem o aborto ou indiquem a pílula do dia seguinte para mulheres estupradas. Além disso, prevê que a vítima tenha de comprovar o crime por meio de exame de corpo de delito e boletim de ocorrência para ter acesso ao aborto legal. Esta proposta foi aprovada em comissão especial.

Armas

Outra proposta aprovada em comissão especial é a que muda o Estatuto do Desarmamento, garantindo maior acesso as armas e a redução da idade mínima para se portar uma arma.

Estado laico

Outra comissão especial aprovou a proposta que garante capacidade postulatória para igrejas. Neste caso, as igrejas, passariam a ter a competência para questionar o Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de ações diretas de inconstitucionalidade (Adins), descumprimento de preceito fundamental (ADPF) entre outros recursos próprios para questionamento sobre a Constituição.

A proposta, de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), o mesmo que propôs a “cura gay”, é considerada um claro atentado ao princípio do Estado Laico, previsto na Constituição, mas é uma pauta prioritária da bancada evangélica, que dá apoio a Cunha.

Atualmente, a Constituição garante a competência para postular perante ao Supremo à presidente da República; para mesa do Senado Federal e da Câmara dos Deputados; para as mesas das Assembleias Legislativas ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; para os governadores de Estado ou do Distrito Federal; para o procurador-geral da República; para o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); para partidos políticos com representação no Congresso Nacional; além de confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

Índios e negros

Outra proposta que avançou na gestão de Cunha é a que transfere para o Congresso Nacional a competência para a homologação de terras indígenas ou quilombolas.

Sob a influência de Cunha, a PEC 215 teve sua admissibilidade aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, depois foi aprovada pela comissão especial criada para este fim e agora está pronta para ser votada no Plenário.

Atualmente, a atribuição de homologação de terras indígenas ou quilombolas é da Presidência da República. Transferir esta atribuição para o Congresso significa deixar esta avaliação a cargo de interesses diretos da bancada ruralista, em constante luta de interesses com as populações tradicionais.

A derrota desta proposta no Congresso é um objetivo comum de índios, negros e ainda movimentos sociais do campo que lutam por um avanço maior da reforma agrária. Enquanto esta resistência unificada se formava, Cunha tratou de instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Funai e Incra, para criar um ambiente hostil a estes segmentos. A criação da CPI é vista como integrantes do governo como uma tentativa de criminalização destes movimentos.

Por Luciana Lima

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