Direitos das mulheres avançam na ONU e em instituições internacionais, por Giulliana Bianconi

21 de julho, 2019

Mesmo diante de resistência do atual governo, articulação internacional consistente demonstra força em defesa da equidade de gênero e repercute no Brasil

As votações do Brasil em Genebra, dias atrás, sobre temas relacionados aos direitos das mulheres, durante a 41ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, não trazem nada de novo sobre o governo Bolsonaro e a linha de atuação já fortemente publicizada pelo chanceler Ernesto Araújo e sua equipe. Aliás, já é hora de parar de se espantar a cada sinal dado de que as políticas de estado, incluindo as diretrizes da política externa liderada por Araújo, não rumam para a busca da equidade de gênero. Esse é um governo, afinal, “terrivelmente cristão”, e não é possível falar sobre equidade de gênero partindo prioritariamente de qualquer religião.

Ou os ministros e gestores públicos optam por abraçar as evidências, os dados, as análises técnicas e a realidade de constantes violações de direitos das mulheres e da população LGBT+, ou tudo o que se pode esperar dos ministérios ideológicos e seus órgãos relacionados são votos conservadores em reuniões internacionais, políticas públicas que desconsideram todo o repertório sobre equidade de gênero acumulado por organismos como a ONU e discursos que eventualmente vão virar memes na internet (“menino veste azul e menina veste rosa”).

Isso não quer dizer, entretanto, que os direitos das mulheres estão na berlinda nas Organizações das Nações Unidas, nem muito menos que o trabalho por equidade feito no Brasil por organismos como a ONU Mulheres esteja enfraquecido. Para além dos votos que a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo — a representante do país em todas as votações em Genebra —, deferiu na semana passada na reunião do Conselho de Direitos Humanos para as pautas relacionadas à violência e discriminação contra mulheres e meninas e o casamento prematuro e forçado de crianças, há uma articulação internacional consistente, global e regional, cuja força é inegável e repercute no Brasil. Ao votar, por exemplo, a favor de emenda apresentada por Egito e Iraque que pedia a retirada do termo “direito à saúde sexual e reprodutiva” do texto que tratava sobre casamento prematuro, Maria Nazareth apenas reafirma a postura ultraconservadora do governo sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, mas não muda o curso do rio. Afinal, a emenda não avançou e o termo pode ser encontrado na  terceira página da Resolução sobre a questão , documento oficial da ONU que serve como orientação aos países para lidar com o tema.

Como as mulheres vêm lutando com êxito há décadas na ONU, esse foi o desfecho, inclusive, de todos os votos conservadores do Brasil relacionados aos direitos das mulheres na ocasião: não representaram o que passaram a ser, ao final do encontro que envolveu os 47 países membros do Conselho de Direito Humanos, as três principais resoluções para os direitos das mulheres. Organizações da sociedade civil e especialistas de diversos países pró-direitos que acompanham todo o processo de votação e construção dos documentos consideram as medidas positivas por reafirmarem compromissos que dialogam com a busca pela equidade.

É preciso observar que apesar ter havido alinhamento do Brasil aos países que propuseram emendas para a retirada do termo gênero, direitos reprodutivos, entre outros, ainda não há uma radicalização do país no sentido de votar ou se abster de qualquer proposta que contemple o termo gênero. A embaixadora brasileira apertou “sim” na votação pela manutenção de um especialista em proteção contra a violência e a discriminação baseada na orientação sexual e na identidade de gênero, enquanto países como Afeganistão, China, Egito e Paquistão votaram pelo “não”.

Sob os holofotes pela votação que vai contra a tradição do Brasil nos temas e gênero na ONU está Maria Nazareth Farani Azevedo, diplomata de carreira com mais de 30 anos de atuação, embaixadora também nos governos Lula e Dilma e sem qualquer atuação pública expressiva no campo dos direitos das mulheres. No atual governo, tem atuado sem criticar até o momento posições do presidente ou do chanceler, e até já saiu em defesa de Jair Bolsonaro em março, em Genebra, quando rebateu críticas feitas ao presidente pelo ex-deputado Jean Wyllys. Ela afirmou que o presidente não era fascista, nem racista e que seu governo não é uma organização criminosa.

A embaixadora pode seguir protagonizando votações que contrastam com avanços e com o trabalho por manutenção de direitos das mulheres liderado por grupos políticos e organizações da sociedade civil caso o Brasil seja reeleito para Conselho de Direitos Humanos da ONU, em outubro. O  documento em que o país pleiteia novamente a vaga (para o triênio 2020-2022) já foi enviado ao órgão e exclui o termo “gênero” enquanto inclui “promoção da família”. A palavra gênero é contemplada de forma estratégica pelas mulheres na ONU desde 1995, ano da IV Conferência Mundial das Mulheres em Beijing, evento-marco para o movimento das mulheres no mundo e na América Latina. Foi lá que a “Declaração e Plataforma de Ação de Pequim” foi lançada, estabelecendo objetivos no enfrentamento às desigualdades de gênero. As relações de poder entre homens e mulheres foram problematizadas levando em conta os papeis atribuídos às mulheres e aos homens, avançando no sentido de superar o debate antes tão pautado na diferenciação biológica.

No Brasil, a ONU Mulheres segue com uma agenda ampla e intensa, atuando em território nacional por meio de parcerias com governos locais, estaduais, com projetos que versam sobre representatividade feminina na política, sobre enfrentamento à violência contra as mulheres, sobre promoção de lideranças e equidade no mercado de trabalho. Em Brasília, promove periodicamente fórum de mulheres que estão em cargos da política, seja no Executivo ou no Legislativo, e dialoga intensamente com o judiciário para contribuir com o amadurecimento no trato às questões de gênero na política. Liderada até o início do ano pela mexicana Nadine Gasman, que manteve por anos no centro do trabalho da sua equipe a pauta da promoção de lideranças políticas femininas, a ONU Mulheres no momento seleciona a nova representante para o país, levando em consideração a necessidade de manter algum diálogo com o governo que publiciza nacional e internacionalmente a intenção de retrocesso nos direitos.

Giulliana Bianconi é jornalista, diretora da Gênero e Número, organização de mídia que atua na intersecção entre pesquisa, jornalismo de dados e debate sobre gênero e direitos das mulheres.

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