A questão de gênero ainda é objeto de muito tabu e distorção, por isso estudiosos e entidades têm promovido o debate acerca do tema para desmitificar pontos que refletem em fobias de uma sociedade ainda carregada por ideologias conservadoras, legitimadas por um pensamento religioso fundamentalista, que desrespeitam mulheres e lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTIs). A violência, seja ela física, psicológica e/ou sexual, contra as mulheres e a população LGBTI é consequência do sistema que engloba o machismo, homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia.
(Meio Norte, 01/10/2016 – acesse no site de origem)
Neste domingo, 2 de outubro, é celebrado o Dia Internacional da Não Violência e nenhum cidadão pode ser agredido ou morto pelo simples fato de ser mulher ou LGBTI. A busca pelo respeito entre as pessoas da sociedade é o grande propósito de se discutir a questão de gênero, desde cedo, para que todo indivíduo seja respeitado e aprenda a respeitar, entendendo a diversidade entre a espécie humana, seja pelo seu gênero, cor, etnia, religião, orientação e identidade sexual, dentre outras diversidades. Afinal, discutir gênero é um fator primordial para promover uma sociedade mais justa e, principalmente, sem violência.
Para a professora de argumentação, Danny Barradas, há uma barreira indispensável nesse debate: o temor dos pais pela criação de seus filhos. Segundo ela, eles têm pleno direito de não aceitarem que seus filhos, com pouca idade, tenham contato com temas tão complexos – como identidades de gênero. Consideram que possam se desvirtuar no meio do caminho. “Nunca escutei de ninguém: ‘Meu sonho é ter um filho gay, lésbica ou travesti’. Por quê? O medo se justifica por conta dos embates que os filhos terão com os gays, as lésbicas e as travestis contra os intolerantes espalhados pelo mundo”, avalia.
A conscientização de crianças sobre o respeito ao próximo é fundamental para que compreendam que a proeza das pessoas exteriorizarem comportamentos destoantes da normalidade não as tornam inferiores a ninguém. Isso conduziria a uma maior tolerância, não desenvolvendo nelas ódio por aquilo que é estranho, diminuindo, assim, futuramente, atos de violência.
Danny Barradas revela que nunca precisou estudar na escola nada a respeito de gênero para que sempre tivesse se identificado com os papéis do gênero oposto. “Você, pai, quer queira ou não, se seu filho tiver um pendor, que demore 26 anos ou não – tempo que levei para assumir o que desde pequeno já sentia –, um dia desabrochará, quando surgir a coragem”, declarou.
Evolução ainda é necessária
Nos últimos anos, alguns avanços, em relação à mulher e ao público LGBTI puderam ser notados no Direito Penal como na elaboração da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015), que alterou o art.121 do Código Penal. Em relação aos homossexuais, o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo dado pelo STF em 2011, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277/DF e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132/RJ, incide em uma maior aceitação de pessoas que carregam o estigma de não serem “normais”, heterossexuais como a maioria. Quanto aos transexuais, há o Recurso Extraordinário 845.779, que trata do direito de transexuais serem tratados socialmente de forma condizente com sua identidade de gênero. O julgamento foi suspenso em 19/11/2015 por um pedido de vista do Ministro Luiz Fux. Contudo não são suficientes para minimizar o preconceito que ainda existe.
Para a professora de argumentação Danny Barradas, a religião e o fanatismo religioso ainda exercem muito poder sobre a grande massa da população que não consegue se desprender de antigos conceitos e visões, até mesmo na forma em que interpretam escrituras sagradas, como a Bíblia.
“Alargar o debate sobre algo considerado indiscutível – porquanto o que Deus ensinou não necessita passar pelo crivo humano para ser legítimo –, sempre acarretará, numa sociedade predominantemente religiosa, desconfortos e, talvez, sentimentos de ódio”, considera a estudiosa.
Ela reforça que acreditar em essências geralmente implica em intolerância. “Se os ‘detentores da verdade’ não se comprometessem em aplicar aos outros aquilo que lhes serve, possivelmente não haveria tanta violência”, disse.(W.B.)
Tolerância versus respeito
A professora Danny Barradas relata que é impossível haver um debate se um dos interlocutores estiverem livres do uso da razão. Ela conta que conhece cristãos que já lhe chamaram de “demônio” por ser transexual, mas também outros que toleram sua decisão. “Percebam: eu disse ‘toleram’. Não me reportei nem à aceitação, nem ao respeito, nem ao apoio. Um dos requisitos de uma democracia é a liberdade de expressão, dando oportunidade para que tanto o fanático exponha que eu não posso ser mulher, porque Deus me criou como homem, quanto eu de exteriorizar minha feminilidade”, disse.
Danny Barradas acredita que Tomás de Aquino deixou um ensinamento importante ao dizer: “Temo o homem de um livro só”. Segundo ela, quanto mais as pessoas se enclausurarem numa forma de pensamento, quanto mais simplificarem o mundo tal qual ele é, tentando esconder aquilo que é fato – no caso, a existência de gays, lésbicas, travestis, etc. –, caso não diversifiquem as análises que dão sobre o que acontece em volta, dificilmente vão aprender a tolerar aquilo que desagrada aos seus olhos.
“Sempre ensino aos alunos a frase de Virgílio: ‘cada um é atraído pelo que lhe agrada’. Se todos se preocupassem apenas em buscar o próprio bem-estar desvinculado de qualquer vilipêndio à integridade física de outrem, o Brasil não apresentaria altos índices de violência contra tais grupos”, frisa.
Por que isso não acontece? Danny Barradas afirma que o dramaturgo e poeta Bertolt Brecht, no poema “Louvor à dúvida”, responde: “Não creem nos fatos, creem em si mesmos/ Diante da realidade, são os fatos que devem neles acreditar”. “Como não é fato que mulher é igual a homem e que Deus tenha criado gays, lésbicas ou travestis, lançar objeções ao Plano Divino é inaceitável, tornando legítima qualquer ação para conservar o propósito Dele”, pontuou. (W.B.)
Preconceito gera consequências
Infelizmente, o suicídio ainda tem sido uma alternativa para os que não conseguem se desvincular do juízo que os outros fazem de sua própria vida. A professora tem muito nítido que a empatia é desenvolvida a partir do estudo, da convivência com indivíduos diferentes e a partir da própria experiência. Danny lembra que a vida inteira foi perseguida por não se adequar aos colegas heterossexuais e reforça que enquanto os fanáticos continuarem a pensar de forma alienada, as regras de outros tempos devam continuar sendo aplicadas, ou seja, muitos continuarão a ser violentados justamente porque a empatia anda muito esquecida.
“A despreocupação com o sofrimento do outro, a falta de empatia, metaforicamente, indica-nos a inexistência de vínculos de sangue e isso faz com que os representantes de Deus no mundo impeçam os outros de serem o que são”, finaliza. (W.B.)
Waldelúcio Barbosa