Clara Averbuck: A PEC 181 não pode passar de maneira alguma

17 de novembro, 2017

Sobre a PEC181, que criminaliza o aborto também em caso de estupro, risco de vida da mãe e anencefalia: isso não pode passar, não tem cabimento, e as milhares de mulheres que encheram a rua na última segunda deixaram isso bem claro. Muitas meninas, muitas jovens, muitas, muitas mulheres que não aceitam e não aceitarão esse absurdo. O aborto sequer deveria ser crime; deveria ser legal, seguro, realizado na rede pública inclusive naqueles casos extremos em que a mulher está grávida e não quer ter filhos.

(Revista Donna, 17/11/2017 – acesse no site de origem)

Não, não é “só se proteger”. Métodos anticoncepcionais falham. Interações medicamentosas podem anular o efeito de várias pílulas, mas, em um país em que grupos conservadores e fanáticos se recusam a discutir gênero e sexualidade, eu nem sei o que será de nós, já que não se deve falar nisso.

Uma mulher que quer fazer um aborto não está interessada na sua opinião. E aborto não é uma questão nem de opinião, nem de religião, nem de crença: é uma questão de saúde pública. Uma mulher não vai deixar de abortar porque você é contra, acha que é uma vida e todos têm direito à vida. Vá cuidar da sua, então. Uma mulher que quer fazer aborto vai fazer esse aborto. Ou vai tentar e se estrepar. Vai tentar numa clínica ou em casa com remédio ou enfiando uma agulha de tricô no útero e depois morrendo de medo de ir ao SUS fazer uma curetagem, ser denunciada e presa.

Uma mulher que estiver passando pelo desespero de uma gravidez indesejada vai colocar sua vida em risco porque o Estado não nos dá o direito de escolher legalmente o que queremos, então burlamos a lei. Imagina então o que acontece com quem não tem nenhum dinheiro. Com as mulheres negras, pobres, da periferia.

A quem argumenta que “aborto vai virar método contraceptivo”: não sei nem o que dizer pra vocês. Primeiro que “contraceptivo” significa para evitar a gravidez, não para interrompê-la. Quem coloca em pauta uma possível “banalização do aborto” nunca parou pra ver os dados de países que legalizaram o procedimento, como foi o caso do Uruguai. Sabe o que aconteceu? As mulheres que abortariam ilegalmente correndo risco de vida abortaram de forma legal e segura e não morreram. Nenhuma mulher morreu. E sabe o que mais? Os números de abortos realizados caíram.

Você é contra o aborto? Não faça um. Mulheres seguirão abortando e colocando suas vidas em risco. Mulheres que já são mães podem morrer e deixar uma família órfã. Mulheres que não querem ser mães também podem morrer. Mulheres abortam todos os dias de forma insegura. Adolescentes abortam, mulheres adultas abortam, católicas, evangélicas, candomblecistas, umbandistas e budistas abortam. Só a mulher que está nessa situação sabe o que é o desespero de uma gravidez indesejada.

Vou lembrar aqui que métodos anticoncepcionais falham, mas pessoas também podem vacilar. Elas devem pagar com a sua vida por isso? Engraçado, não vejo os homens, que frequentemente se recusam a usar camisinha porque “acabaram de fazer exames” ou “são limpos” ou seja qual desculpa que arrumem sendo cobrados. A contracepção está sempre nas nossas costas. Encapar o pinto é uma dificuldade, né? E até parece que o único perigo é a gravidez. Existe um surto de sífilis porque as pessoas acham que são imbatíveis e não vai acontecer com elas. Bom, colega, pode acontecer. Com qualquer um. Com qualquer uma.

Sempre me deparo com comentários dizendo que mulheres que tentam abortar devem mesmo morrer. Além da ignorância e da percepção de que a vida da mulher não vale nada, isso também demonstra uma atitude punitivista com a mulher que faz sexo. Deu? Agora aguenta. Ninguém pergunta onde está o homem que engravidou. Ninguém quer saber se ele se protegeu, se ele se preocupou. Diante dos olhos desse terrível senso comum, ao homem não cabe nenhuma responsabilidade quando o assunto é contracepção.

São muitas as questões, mas o ponto é um: essa PEC não pode passar de MANEIRA ALGUMA. A maior parte das mulheres vítimas de estupro estão entre 13 e 17 anos, e em 70% a 77% dos casos, o criminoso é um conhecido. Passando essa PEC, meninas teriam suas vidas destruídas e ainda correndo o risco de ter que conviver com o agressor. Você consegue imaginar isso acontecendo com a sua sobrinha? Agora que você humanizou a pessoa, consegue imaginar isso acontecendo com qualquer uma? É o fim. Não pode passar, não vai passar, não vamos deixar passar.

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