Cobranças de até R$ 3.500 para partos normais e falta de médicos credenciados pelos planos elevam número de cesarianas

10 de novembro, 2014

(O Globo, 10/11/2014) Desde que descobriu estar grávida, em abril deste ano, X., de 31 anos, cliente da Unimed Rio, fez cerca de 50 ligações para consultórios de obstetras conveniados ao plano atrás de um que aceitasse fazer um parto normal, sem cobrar taxas. Em vão. Após reclamações com a operadora de saúde, a moradora de Copacabana, na Zona Sul do Rio, que prefere não se identificar, cansou da procura e acabou fazendo o pré-natal com uma médica credenciada que realiza apenas cesarianas.

A situação de X. foi a mesma pela qual passaram outras três grávidas ouvidas pelo EXTRA. Casos como esses aumentam, ano após ano, o número de cesarianas consideradas desnecessárias na rede de saúde particular. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o percentual de cirurgias nas clínicas e nos hospitais privados do país é de 84,6% dos casos, muito acima dos 15% recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Médicos e grávidas ouvidos pelo EXTRA apontam a baixa remuneração dos médicos pelos planos como um dos principais motivos para a recusa dos profissionais em fazer partos normais. Segundo a Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado do Rio (Sgorj), um obstetra credenciado recebe, de R$ 400 a R$ 600 pelo parto, em média. O médico assistente ganha ainda menos: cerca de 30%. Segundo gestantes, os profissionais alegam que alguns planos não pagam a taxa de assistência ao trabalho de parto, que é de R$ 339,30 por hora, pela Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM).

— Se imaginarmos que uma consulta, mesmo pagando mal, rende (ao profissional) R$ 50, se o médico atender três pacientes em uma hora, ele ganha R$ 150. Se atender cinco pacientes, são R$ 250. Em duas horas, são R$ 500. Num trabalho de parto, o médico enfrenta os riscos do parto e se desloca do consultório, para ganhar os mesmos R$ 500. Não há nenhuma conta que faça razoável essa assistência programada. Acaba sendo mais fácil você programar uma cesariana após o horário de atendimento do profissional (no consultório) — avalia Marcelo Burlá, presidente da Sgorj.

Responsabilidade é solidário entre as partes

Marcelo Burlá, presidente da Sgorj, defende que os médicos, por serem profissionais liberais, têm o direito de cobrar o que quiserem pelos serviços prestados aos pacientes:

— A ANS não tem ingerência alguma sobre os médicos. A ANS é para regular o relacionamento dos planos de saúde com seus cooperados. Tanto os médicos acabam sendo vítimas desse modelo de pagamento quanto os pacientes.

Segundo o advogado Marcelo Calixto, presidente da Comissão de Direito do Consumidor do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), as operadoras respondem pelos danos causados aos consumidores pelos médicos conveniados, mas há também a chamada responsabilidade solidária.

— Os dois (plano e médico) podem ser responsabilizados, solidariamente. O médico é um profissional liberal, mas a partir do momento em que participa do plano, ele aceita as condições previstas no contrato — disse Calixto.

Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidade que representa várias operadoras, afirmou que a “taxa de disponibilidade obstétrica” não está contemplada no rol de coberturas obrigatórias dos planos de saúde, mas que “a cobertura do rol já garante a remuneração da ‘assistência ao trabalho do parto’ para as horas que antecedem o parto normal ou cesáreo”.

DEPOIMENTOS

Beatriz Almeida – 29 anos, cliente da Sulamérica Saúde:

— Eu comecei a buscar médicos que fazem parto normal quando eu estava com 15 semanas de gravidez. Foi em junho, mais ou menos. É assim: você liga para o médico, e muitos que realizam partos normais dizem que fazem , mas só (atendimento) particular, não pelo plano. As duas primeiras médicas que procurei, tanto a minha quanto a indicada pelo plano, disseram que não recebem do plano a quantidade de horas (trabalhadas). Cheguei a procurar hospitais públicos. Só agora, com 35 semanas de gestação, que consegui encontrar um médico que faz parto normal (sem cobrar por fora).

Luciana Brasil – 34 anos, psicóloga e cliente Unimed Rio

— Minha menina deve nascer em março. Por conta da reclamação que eu fiz pelo site Reclame Aqui e à ANS, a Unimed Rio me passou uma lista de profissionais que fazem partos normais. Mas eles cobram por fora um valor referente às horas de acompanhamento de parto. Cobram entre R$ 250 e R$ 300 por hora (um trabalho de parto pode durar até 12 horas). Uma baba. Mas eu, de fato, concordo com os médicos de que é injusto que fiquem esse tempo todo com a parturiente de graça. Depois de três tentativas, eu consegui uma médica que tem relatos de que faz normal.

ENTENDA

Sem informações

Uma das principais reclamações das gestantes é a falta de informações, o que, segundo Marcelo Calixto, fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Como os sites e os call centers das operadoras não informam quais dos obstetras credenciados fazem parto normal, as consumidoras são obrigadas a checar a cobertura com cada um, o que demanda dezenas de ligações e até mesmo consultas, já que alguns médicos alegam que só informam se fazem ou não se a gestante for ao consultório.

Para reverter essa situação, a ANS abriu, no dia 14 deste mês, uma consulta pública para receber sugestões para duas novas resoluções normativas (RN): a consulta nº 55 estabelece o direito de acesso à informação, para que as gestantes saibam quais são as taxas cobradas por cesárea e parto normal em cada estabelecimento credenciado e por cada médico, e a consulta 56, que torna obrigatório o partograma – documento com anotações do desenvolvimento do trabalho de parto e das condições maternas e fetais – para que o profissional de saúde receba o pagamento do plano. Qualquer pessoa pode enviar sugestões para as resoluções até o dia 23 de novembro pelo site www.ans.gov.br, clicando no link “participação da sociedade”, depois “consultas públicas” e, em seguida, “participar”.

Testes

Testes feitos pelo EXTRA mostraram que dos 13 hospitais e clínicas credenciados pela Amil, no Rio, quatro não têm obstetras plantonistas e um não aceita o plano. Dos 12 locais credenciados pela Bradesco Saúde, três não têm plantonistas e outros três não fazem nenhum tipo de parto, por não terem maternidade. Dos quatro credenciados pela SulAmérica, dois não fazem nenhum tipo de parto e um faz parto normal com plantonista, mas apenas se for particular. Os nove testes na rede Unimed Rio mostraram que dois não atendem o plano, quatro não têm obstetras plantonistas e um só faz cesarianas. A FenaSaúde — representando Amil, Bradesco e SulAmérica — informou que “as operadoras confiam que seus prestadores de serviços credenciados cumprirão os contratos”.

A Unimed afirmou, em nota, que todos os hospitais testados pelo EXTRA “são credenciados, embora por questões negociais dois deles estejam por iniciativa própria com atendimento suspenso temporariamente. Quando há descredenciamento, essa informação passa a constar automaticamente dos meios de comunicação ao cliente e os hospitais são retirados do site”. Sobre a falta de plantonista obstetra, a oepradora disse que “essa é uma situação que atinge todos os planos de saúde. A definição de ter obstetras plantonistas não é das operadoras, e sim dos hospitais, e muitos deles estão fechando suas maternidades, reduzindo a oferta disponível para estes procedimentos. Cabe destacar que a Unimed-Rio tem 28 prestadores para obstetrícia, porém nem todos fazem parte da rede credenciada do plano pesquisado”. Em relação à indicação do tipo de parto pelos médicos, a Unimed afirmou que “o médico cooperado ou credenciado de qualquer plano tem autonomia para decidir – tanto sob o ponto de vista técnico quanto do ponto de vista de seu interesse pessoal – a modalidade mais aplicável de parto, caso a caso, de acordo com as condições clínicas da gestação, local de realização do parto, e sua disponibilidade. A Unimed-Rio não pode determinar a conduta do cooperado a esse respeito, embora incentive o parto normal sempre que for indicado. A Unimed-Rio orienta seus médicos cooperados a não cobrarem essa taxa dos pacientes, pois esta prática é ilegal”. A empresa acrescentou que qualque queixa a respeito de taxas cobradas pelos médicos podem ser feitas pelo telefone (21) 3861-3861 e que as pacientes também podem solicitar informações sobre quais médicos fazem parto normal pelo plano, “mas essa informação não é imediata. É iniciado um fluxo interno que avalia a localidade de interesse do paciente e a disponibilidade de médicos com este perfil, e, posteriormente, a Unimed-Rio dá um retorno para a cliente com as indicações”.

Acesse o PDF: Cobranças de até R$ 3.500 para partos normais e falta de médicos credenciados pelos planos elevam número de cesarianas (O Globo, 10/11/2014)

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