Luciana Boiteux, advogada e vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL, analisa o caso da menina de 12 anos que não teve garantido o acesso ao aborto legal, em Teresina (PI).
Em meados de 2020, em plena pandemia, a ex-Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, hoje eleita senadora pelo Distrito Federal, tratou de impedir uma menina de 10 anos, do Estado do Espírito Santo, grávida em decorrência de estupro, a realizar o procedimento do aborto legal. A criança só conseguiu acesso ao seu direito após ampla mobilização dos movimentos feministas, que por todo o país questionaram: “e se fosse a sua filha?” [1].
Já no ano passado também assistimos indignadas à juíza Joana Ribeiro Zimmer constranger uma menina de 11 anos grávida, no Estado de Santa Catarina, e obstacularizar seu acesso ao direito do aborto legal. Em uma das audiências a magistrada questionou à criança: “Você suportaria ficar mais um pouquinho com o bebê?”. Após denúncia ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Corregedoria Nacional de Justiça passou a acompanhar a apuração dos abusos institucionais cometidos pela magistrada [2].
Conforme apuraram o Catarinas [3] e o Intercept [4], a menina piauiense, negra, de família trabalhadora, está em sua segunda gestação após estupros reiterados por parte de familiares e outros homens próximos da família. Na 12ª semana dessa gestação, ela foi levada ao hospital e expressou claramente sua vontade de interromper a gravidez. No entanto, apesar do procedimento ser previsto por lei, não conseguiu realizar o aborto e passou a ser exposta a uma série de tentativas de dissuasão e coação.
Hoje, a criança está sofrendo psicologicamente e se encontra em um abrigo de administração religiosa em Teresina – PI, com o filho de 1 ano, a quem trata como uma boneca, e já está na 28ª semana de gravidez. Ela precisou tomar medicamentos para ansiedade, mas ainda assim tentou o suicídio e realizou automutilações, segundo relatos de uma conselheira tutelar.
O caso, que corre em segredo de Justiça na 1ª Vara de Infância e Juventude de Teresina e que depois veio a passar para a 2ª Vara de Infância e Juventude de Teresina, poderia ser o enredo de um pesadelo, mas é um retrato real das múltiplas violências estruturais as quais nós mulheres somos submetidas cotidianamente numa sociedade machista e patriarcal, que se apropria violentamente dos nossos corpos e nos nega direitos sexuais e reprodutivos.