Vírus zika sofreu mutações desde a sua descoberta, em 1947

08 de abril, 2016

(O Estado de S. Paulo, 08/04/2016) Pesquisa da UFRJ aponta que mudanças genéticas tornaram vírus mais agressivo e capaz de retardar a formação do tecido cerebral.

O vírus zika que circula no Brasil e nas Américas sofreu mutações que o tornaram mais agressivo e capaz de retardar a formação do tecido cerebral. A descoberta foi feita por pesquisadores do Laboratório de Virologia Molecular e pelo Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que analisaram o genoma do vírus identificado em Uganda em 1947 e o do zika que circula no País. O artigo está disponível numa rede pública de compartilhamento de estudos científicos inéditos, mas ainda não revisados por outros pesquisadores, a bioRxiv.

“O vírus africano ficou para trás. Aquela doença que havia na África não tem nada a ver com a de agora. E isso explica porque um vírus antigamente não causava epidemia nenhuma e de repente apareceu na Polinésia Francesa e se espalhou para o mundo inteiro”, afirmou o professor de genética Amilcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular.

Os pesquisadores analisaram o comportamento das duas linhagens de vírus em relação à infecção das células do sistema nervoso, como os neurônios. “A gente queria entender como esses vírus, que são diferentes geneticamente, têm a capacidade de infectar células tronco neuronais. Nós temos cultura de célula tronco de camundongo e também de células humanas. Colocamos os dois vírus na mesma concentração frente a essas células. E a gente começou a ver as diferenças entre eles”, explica Tanuri.

Essas culturas de células tronco de camundongo e humanas se organizam em “minicérebros”, ou neurosferas, no termo científico. Elas representam a estrutura celular de um cérebro em formação. O vírus brasileiro ou americano altera muito mais a diferenciação das células tronco – processo pelo qual as células tronco se tornam neurônios e outras células do sistema nervoso.

“O nosso vírus tem a capacidade de infectar essas células diferenciadas, quando o cérebro já começa a se formar. A célula tronco está dando início aos neurônios, as células que vão formar o cérebro adulto”, explica Tanuri. O ataque do vírus nesse estágio atrasa o desenvolvimento da formação cerebral, levando à microcefalia e outras más-formaçeos. “A gente viu que o vírus africano não tinha essa capacidade, mas infectava a célula inicial, primordial. Se isso acontecer na natureza, vai destruir o embrião”, afirmou Tanuri.

A capacidade de o zika atacar a célula em estágio mais avançado de diferenciação o torna “mais perigoso”, avalia Tanuri. “Estamos vendo as crianças infectadas no primeiro trimestre terem alterações e o vírus fica no cérebro dela até o nascimento, provocando uma série de alterações cerebrais, não só a microcefalia. O estudo patológico nos bebês que morreram logo após o nascimento na Paraíba mostrou que as crianças nasceram com tecido cerebral fetal com cérebro já de um bebê nascido. Esse fenômeno acontece também in vivo, não só no laboratório”.

Os pesquisadores identificaram dois grupos de mutação: mutações em proteínas virais regulatórias e uma alteração no “envelope” do vírus. Nesta alteração no “envelope”, o zika ganhou um açúcar na proteína, que o vírus africano não tem. “Esse açúcar pode alterar a propriedade do vírus de tropismo (capacidade de infectar determinado grupo de células ou tecidos)”, afirma Tanuri.

A partir dessas descobertas, os pesquisadores criaram um modelo in vitro para testar drogas. Eles querem descobrir que tipo de droga pode bloquear a entrada do vírus brasileiro nas células diferenciadas do cérebro. Também vão estudar o mecanismo molecular – como o vírus americano ou brasileiro altera a programação das células-tronco neuronais. “Outra pergunta importante é saber quanto tempo o vírus permanece no tecido nervoso. A gente está preocupado com a cronificação da infecção da zika em adultos. O vírus permanece no adulto por mais de dois, três meses. Algumas pessoas tem reativações. A gente tem estudado esse aspecto que é importante para entender o que acontece com as gestantes e com os fetos, como o vírus escapa do sistema imune”, afirmou Tanuri.

Clarissa Thomé

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