Inspiradas por Argentina e Irlanda, mulheres marcham por legalização do aborto no Brasil

22 de junho, 2018

Com lenços verdes, feministas do Rio caminharam da Alerj à Cinelândia

(O Globo, 22/06/2018 – acesse no site de origem)

Na esteira da legalização do aborto na Irlanda e da aprovação da pauta no Congresso da Argentina, militantes feministas organizaram uma marcha pedindo a descriminalização também no Brasil, no início da noite desta sexta-feira. A manifestação aconteceu simultaneamente em sete cidades do país: Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Maceió, Londrina, Santa Maria e Porto Alegre. Intitulada “Nossa hora de legalizar o aborto”, a marcha foi convocada pelo Facebook. No Rio, reuniu cerca de 300 pessoas, que marcharam da Alerj à Cinelândia.

Grande parte das militantes acredita que há uma onda feminista na América Latina atualmente e que o Brasil precisa se inserir nela, apesar do caráter conservador do Congresso Nacional. Entre os gritos e palavras de ordem, um dos mais recorrentes era “Se cuida, se cuida, se cuida, seu machista. A América Latina vai ser toda feminista”.

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— Na Argentina, o que impulsionou a vitória (da descriminalização do aborto) no Congresso foi a movimentação nas ruas — diz uma das organizadoras da marcha brasileira, a professora de História Anna Carolina Costa. — Então o que a gente espera no brasil é construir uma grande campanha popular, uma espécie de tribunal popular para decidir se é ou não crime a mulher decidir sobre o próprio corpo. Temos um caminho árduo pela frente, mas acho que os ventos argentinos devem nos ajudar.

Mulheres erguem cartazes pró-legalização do aborto na escadaria da Alerj, no Rio (Foto: Clarissa Pains)

A pauta principal da marcha é que o aborto seja legal, seguro e gratuito.

— Não sei exatamente quando alcançaremos isso no Brasil, mas sou otimista. Mesmo um país fortemente católico como a Irlanda legalizou. Foi algo muito surpreendente. Já na Argentina, essa pauta se coloca com muita força há pelo menos 13 anos. Não é de agora só. No Brasil, essa luta também vem de décadas, mas temos hoje um Congresso que quer impedir o aborto até nos casos já legalizados (risco de vida para a mulher, estupro e feto com anencefalia) — diz Anna Carolina.

A Irlanda aprovou a descriminalização do aborto em 28 de maio, com 66,4% de votação popular. Já no último dia 14 de junho, foi a vez da Argentina: a Câmara dos deputados aprovou a legalização, por um placar apertado de 129 contra 125 votos. O projeto de lei ainda precisa passar pelo Senado do país para entrar em vigor.

Manifestantes levaram cartazes e gritaram palavras de ordem (Foto: Clarissa Pains)

DIA DE JOGO DO BRASIL, MENOS MOBILIZAÇÃO

A manifestação foi organizada por feministas integrantes de diversos coletivos. Segundo Anna Carolina, não há um grupo único ou partido político por trás.

Na avaliação dela, o número reduzido de participantes foi resultado de ela ter sido realizada em dia de jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo. Ainda assim, a animação das mulheres que compareceram foi grande.

Muitas das manifestantes usavam lencinhos verdes, como aqueles usados pelas feministas argentinas. Na versão brasileira do adereço, foi estampada uma imagem de perfil da vereadora Marielle Franco, conhecida pela luta feminista e morta em março deste ano. Em torno da imagem, as frases “Aborto legal para não morrer” e “Educação sexual para prevenir”.

Membros do coletivo Finadas do Aborto pintaram o rosto para representar as mulheres que morrem por causa de abortos inseguros (Foto: Clarissa Pains)

Integrantes do coletivo Finadas do Aborto — que simbolizam as mulheres que morreram em abortos inseguros — fizeram em seus rostos uma maquiagem à la Dia dos Mortos mexicano.

Entre os cartazes que as manifestantes seguravam, muitos traziam dizeres como “Seu conceito de vida ignora a minha” e “Que o aborto não seja mais privilégio de classe”, referindo-se à facilidade que mulheres com dinheiro têm de pagar para interromper a gravidez de forma mais segura ou de viajar para fazer isso em um país onde a prática é legalizada.

Às 18h40, as ativistas deixaram a Alerj e começaram a marchar pela Rua da Assembleia. Em seguida, entraram na Avenida Rio Branco para chegar à Cinelândia, onde se reuniram na escadaria da Câmara Municipal.

Para a chilena María Paz Castillo, de 33 anos, que estava participando do ato, foi uma surpresa ver que uma manifestação pró-legalização do aborto no Brasil reuniu tão poucas pessoas.

— Eu via o Brasil como um país muito liberal, talvez um dos mais liberais da América Latina, e não imaginava que a questão do aborto fosse tão delicada aqui. Esperava uma mobilização maior, mas é realmente de pouco em pouco que se chega ao objetivo — considera ela.

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