(Folha de S.Paulo) A nomeação da socióloga e antiga militante de esquerda Eleonora Menicucci para a Secretaria de Políticas para as Mulheres foi o primeiro ato de Dilma festejado de verdade pelas feministas.
Ele veio matizar uma desconfiança que surgiu na campanha eleitoral -quando Dilma comprometeu-se a não propor nova lei descriminalizando o aborto- e cresceu com a edição, em dezembro, da MP que cria um cadastro nacional de grávidas.
Destinada a combater a mortalidade materna, mas considerada redundante em relação a programas existentes, a MP tinha um parágrafo que equiparava direitos da gestante e do feto. O “contrabando” abriria caminho para a proibição do aborto até nos casos hoje legais (estupro e risco à vida da mulher).
Foi necessário um mês de críticas até que o governo alterasse a medida, retirando o trecho que teve a constitucionalidade questionada -a Carta brasileira não confere direitos a quem não nasceu e não tem existência biológica independente da mãe.
Porém uma emenda à MP propõe agora a volta da equiparação, e ativistas religiosos no Congresso e fora dele atacam Menicucci, ameaçando retaliação eleitoral. Sugerem que o aborto seria impingido às mulheres e o comparam a assassinato, ignorando posições científicas e éticas divergentes.
Essas correntes insistem em impor convicções a toda a sociedade. Não confiam em que seus adeptos sustentem na vida privada o que é professado nos templos -uma contradição, já que, nas pesquisas, a grande maioria se diz contra o aborto.
Desta vez, porém, espera-se ao menos que o debate saia do nível pedestre e pouco pluralista de 2010. Que a nova ministra possa abordar o tema em seus aspectos de saúde pública, dos direitos da mulher sobre seu corpo, da responsabilidade individual e da separação entre igreja e Estado. Se uma ‘presidenta’ não ousar essa liberdade, quem o fará?
Leia em PDF: Teste para a ‘presidenta’, por Claudia Antunes (Folha de S.Paulo – 16/02/2012)