(Agência de Notícias da Aids) Ela está morando numa casa ainda sem móveis, em Brasília, com os dois filhos gêmeos, Luca e Rafael, de 5 anos. Teve só três semanas para vir com eles de Genebra, depois que soube que foi selecionada para coordenar o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) no lugar de Pedro Chequer, que se aposentou em abril. O marido, o francês Emmanuel Orillard, empresário do ramo de informática, ficou por lá, cuidando da mudança e da própria vinda para cá. Apesar do clima de improviso e da correria, Georgiana Braga-Orillar, nascida em Goiânia, está feliz com a volta ao país e com o novo cargo. “Saí daqui em 1997 e trabalhei fora esse tempo todo. Sonhava em voltar para colaborar com o enfrentamento da aids aqui e estou fazendo isso num momento muito interessante, de grandes mudanças políticas”, diz a nova coordenadora do Unaids no Brasil. A Agência Aids a entrevistou nessa segunda-feira (21) à tarde, logo depois que ela foi anunciada no cargo, junto com alguns ativistas. Confira:
Agência Aids: A senhora disse que o Brasil é exemplo na resposta ao combate à aids, que quer colaborar com os objetivos de zerar a transmissão vertical, a infecção, as mortes. A senhora assume a gestão do Unaids no momento em que o governo vive uma situação delicada com o ativismo. Os militantes estão brigando, criticando a atuação da presidenta Dilma Rousseff , que eles consideram conservadora. Como o Unaids pretende ajudar para melhorar a conversa entre o ativismo e o governo visando combater o inimigo comum que é o HIV?
Georgiana Braga-Orillar: É uma situação bem delicada, mas já vimos isso acontecer em vários períodos antes. Numa democracia, isso é saudável. Temos de, realmente, promover o debate de forma a colaborar para com a construção da melhor sociedade de amanhã. O governo está agora com uma nova direção, o Ministério da Saúde tem no Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais uma nova direção e eu tenho o sentimento e a convicção de que está fazendo um trabalho interessante. Eles abraçaram as recomendações feitas na ONU, em Genebra, com relação ao novo tratamento antirretroviral que será proposto para toda a população brasileira no ato do diagnóstico do HIV, mesmo para quem não tenha o CD4 (células de defesa) baixo. É uma coisa corajosa, que está sendo feita pelo governo atual e nós temos que realmente apoiar.
Alessandra Nilo ( coordenadora de políticas estratégicas da ONG Gestos): Como o Unaids pretende contribuir para o fortalecimento e a participação da sociedade civil nos espaços de decisão da atual política de aids?
Georgiana Braga-Orillar: O Unaids teve o papel, principalmente no Brasil, de estar perto da sociedade civil e de ouvir os desejos dela. Vamos, na semana que vem, a São Paulo e ao Rio, para ouvir a sociedade em relação a esse novo tratamento. O nosso conselho diretor, que será organizado em dezembro, também vai discutir muito essa questão do tratamento, o que significa exatamente, quais são as implicações para cada indivíduo. E estamos no processo da consulta pública que o Ministério da Saúde está fazendo e que termina dia 5 de novembro. É um processo de consulta da sociedade civil e eu acho que vamos construir juntos uma coisa muito boa para o futuro. Boa e duradoura.
Ag. Aids: Como a senhora está sentindo a repercussão dessa notícia sobre antecipar o tratamento?
Georgiana Braga-Orillar: Há várias pessoas da sociedade civil respondendo de forma bem positiva e dizendo que isso realmente é um avanço. De outro lado, como é natural, tem aquelas que estão tentando entender quais são as especificações para cada indivíduo, se tem reações, qual será o processo no futuro, se vão ter mais ou menos efeitos colaterais, quais os riscos. Eu acredito que os benefícios vão compensar os riscos. A consulta vai trazer esse entendimento que é o que a sociedade civil quer saber.
José Araújo Lima (Espaço de Prevenção e Atenção Humanizada — Epah): Como a senhora pretende apoiar o enfrentamento da aids junto às populações conhecidas como minorias, como os homossexuais, que enfrentam grande resistência por parte do governo e a ala conservadora do Congresso Nacional? Como é que o Unaids pretende apoiar especificamente os homossexuais do Brasil, levando em conta que eles estão sofrendo bastante com a epidemia?
Georgiana Braga-Orillar: Isso é prioridade para o Unaids em seu programa integrado da ONU. A prevalência do HIV/ aids entre os homossexuais é muito mais elevada. Em São Paulo, é de 10 a 15% . Então, temos de, realmente, prestar atenção, de trabalhar muito próximos a outras agências da ONU e ao Ministério da Saúde para fazer uma prevenção centrada nesse grupo, algo que seja feito com eles e por eles.
Carlos Duarte (representante do movimento de aids no Conselho Nacional de Saúde): O Rio Grande do Sul é o estado que mais tem casos de aids no país. Que tipo de ações o Unaids pretende propor para colaborar com o enfrentamento regional da doença?
Georgiana Braga-Orillar: A ONU, liderada pelo Unaids, tem um projeto de ação conjunta em três regiões do país: na Bahia (desde 2010), na Amazônia (desde 2008) e, agora, começamos um em Porto Alegre. Essa necessidade do Sul foi vista já há alguns anos e vários estudos foram feitos comprovando essa defasagem. Nós fizemos um lobby muito grande com o Ministério da Saúde e eu estou contente de saber que eles agora vão entrar com uma força tarefa no Sul para analisar e entender quais são os objetivos e as necessidades no programa por lá. Nós vamos apoiar o governo nisso e também ajudar a sociedade civil a trabalhar nessa área.
Harley Henriques (presidente do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids da Bahia — Gapa): A senhora disse que o Brasil está na vanguarda do enfrentamento da aids. Eu acho que não está. Na realidade, faz tempo que nosso país deixou de ser referência no cenário mundial enquanto resposta política de enfrentamento. Nos últimos anos, temos uma relação mais frágil da sociedade civil com o governo, deficiência na assistência, pessoas morrendo, infecção aumentando. Como a senhora pretende colaborar para reverter essa situação e recuperar a posição de vanguarda que nós já tivemos?
Georgiana Braga-Orillar: O tratamento antecipado é uma coisa que vai colocar o Brasil novamente na vanguarda. Você está certo, a mortalidade aumentou, é muito alta nas regiões Norte e Nordeste, as pessoas estão chegando muito tarde aos serviços por falta de acesso, por problemas logísticos, e temos de lidar com isso. O tratamento precoce vai realmente evitar mortes, vai dar às pessoas uma nova expectativa de vida.
Ag. Aids: Mas como a senhora pretende ajudar as pessoas a chegarem mais cedo aos serviços? Qual é a política de ação? Porque a queixa é de que as pessoas estão chegando aos serviços com o CD4 muito baixo e a carga viral elevada. Qual é a receita para acabar com o diagnóstico tardio?
Georgiana Braga-Orillar: Essa campanha realmente só vai funcionar com o aumento da testagem para que o vírus seja detectado o quanto antes. É crucial que se amplie a oferta de testes. Mas há também a questão de que muitas pessoas faziam o teste antes de terem o CD4 tão baixo e, quando voltavam, na segunda consulta, já estavam muito mal, Então, é preciso investir nos testes para que o tratamento seja iniciado mais cedo e fazer uma ampla campanha para divulgar os testes.
Rodrigo Pinheiro (presidente do Fórum de ONG/Aids do Estado de São Paulo): De que maneira sua gestão frente ao Unaids poderá melhorar a política de direitos humanos em relação às pessoas que vivem com HIV/aids no Brasil, que eu não considero a mais adequada?
Georgiana Braga-Orillar: Realmente, temos de trabalhar nisso, com a população LGBT e os direitos humanos das pessoas vivendo com HIV. É uma questão primordial, eu quero trabalhar com isso desde o início, com a ONU, com as ONGs, com a sociedade civil em geral. Tem também o direito das mulheres. Se tem uma coisa em que o Unaids pode colaborar em matéria de Brasil é na área de direitos humanos.
Nair Brito (integrante do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas e coordenadora do projeto Saber Para Reagir em Português, do Unaids): Estávamos fazendo no Unaids esse projeto de integração entre mulheres do Brasil e da África. Ficou faltando uma oficina. Também estava previsto o lançamento de um vídeo e de um livro batizados de Mulheres em Preto e Branco e Vermelho. Que andamento a senhora pretende dar ao projeto e quando pretende finalizá-lo?
Georgiana Braga-Orillar: Eu sei desse projeto e, nesse momento, estou com o livro dele aqui, na minha mão. Eu já o entreguei para todos os chefes de agências da ONU, na semana passada. É verdade que é um projeto que não foi concluído. Temos de concluir, de fazer uma campanha de comunicação sobre o que foi atingido por eles. Trata-se de um projeto para os países de língua portuguesa na África (CPLP). A reunião na qual gostaríamos de lançar esse trabalho foi adiada para fevereiro do ano que vem, pela própria CPLP, quando ele será concluído. Depois, temos de levá-lo para Moçambique.
Ag. Aids: A senhora tem uma experiência bem interessante nas áreas de comunicação e responsabilidade social com empresas privadas. De que forma pretende juntar essas duas experiências e ajudar a comunicação e as empresas privadas a entrarem com mais ênfase no combate à aids no Brasil?
Georgiana Braga-Orillar: Nós temos o Conselho Empresarial Nacional para a Prevenção ao HIV/Aids (Cen Aids), em São Paulo, e eu quero trazê-lo para perto dos projetos que estamos fazendo. Eu acho que o melhor jeito de aumentar a testagem, por exemplo, em São Paulo, é por meio das empresas. Temos de trabalhar junto com as empresas para fazer isso. Não é só questão de responsabilidade social. É uma causa a qual eles precisam aderir com o coração e eu acho que o trabalho de empresas vai ser crucial nisso. O Cen Aids está ai, é um fórum, mas há outros.