Em entrevista à Revista Liberdades, o juiz-presidente do Tribunal do Júri de Campinas afirma que “os organismos internacionais de Direitos Humanos têm proclamado, reiteradamente, por declarações, tratados, assembleias e convenções, que a criminalização do aborto contraria de modo flagrante os direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres.” Abaixo, a posição do juiz sobre a criminalização do aborto:
“A criminalização do aborto está sendo mantida com um enorme custo social, impede a implantação e efetivação de medidas realmente eficazes para o enfrentamento do problema e acarreta às mulheres terríveis sequelas e morte.”
“O princípio da idoneidade, por exemplo, exige que a criminalização de qualquer conduta deve ser um meio útil para controlar um determinado problema social. Contudo, a criminalização do aborto tem sido absolutamente inútil, ineficaz e ineficiente para conter a prática dessa conduta. Basta lembrar que, de acordo com dados oficiais do Ministério da Saúde, são praticados mais de um milhão de abortos no Brasil todos os anos.”
“A criminalização do aborto também viola o princípio da subsidiariedade, que determina que, no processo democrático de criminalização, devem ser considerados os benefícios e os custos sociais causados pela adoção da medida proibicionista criminalizadora…. O aborto inseguro, praticado na ilegalidade, é uma das principais causas de morte materna no Brasil.”
“A legislação repressiva-punitiva tem acarretado um significativo impacto negativo para a vida das mulheres, especialmente para aquelas de baixa renda, que, destituídas de outros meios e recursos, são obrigadas a prosseguir na gravidez indesejada ou sujeitam-se à prática de abortos em condições de absoluta insegurança.”
“É absolutamente inegável que o problema do aborto pode e deve ser enfrentado fora do sistema penal, de modo mais eficaz e não danoso, sem que as mulheres tenham que suportar os riscos do aborto inseguro. É infinitamente mais eficaz adotar políticas públicas de promoção da saúde das mulheres, em especial no âmbito da saúde sexual e reprodutiva, criar e implantar programas eficientes de planejamento familiar, promover a educação formal, bem como a informal, capacitar profissionais para promover o acolhimento das mulheres, manter de estruturas sanitárias preparadas para garantir os direitos à saúde física e psicológica, manter sistemas de acolhimento e orientação, promover a igualdade de gênero e o afastamento da ideologia patriarcal, ampliar o poder das mulheres na tomada de decisões sobre a sua sexualidade e reprodução, apoiar integralmente a maternidade, garantir informações sobre a sexualidade e o uso dos meios de anticoncepção e, ainda, garantir o acesso pleno aos meios anticonceptivos.”
“A criminalização do aborto também afronta as exigências jurídico-penais de não se criminalizar uma conduta de modo simbólico ou para impor uma determinada concepção moral, ou para punir condutas freqüentemente aceitas ou praticadas por parcela significativa da população.”
“Infelizmente, esse tema tem sido tratado de uma forma equivocada. Ser a favor ou contra o aborto é um falso dilema. Ninguém é a favor do aborto. Este é um problema social e de saúde pública que deve realmente ser enfrentado pela sociedade. Contudo, o enfrentamento desse terrível problema pelo viés repressivo, com os instrumentos desse irracional e deletério sistema penal, é totalmente equivocado.”
“Eu ainda acredito que a sociedade terá, em breve, lucidez suficiente para despir-se dos preconceitos e acabar com a criminalização do abortamento, encontrando, fora do sistema penal, meios mais eficazes, mais eficientes e menos traumáticos e prejudiciais para o equacionamento e enfrentamento desse gravíssimo problema.”
Leia entrevista em PDF: Entrevista – José Henrique Rodrigues Torres (Revista Liberdade – 23/05/2011)