(Blog Mulher 7×7/Época) Leia as opiniões do presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, Claudio Lorenzo, sobre temas polêmicos, como interrupção da gestação de fetos com anencefalia e descarte de embriões congelados.
Anencéfalos: “os valores de um só grupo social não podem virar lei para todos”
“Quando o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, deu uma liminar, em 2005, permitindo a interrupção de gravidez em caso de feto anencéfalo, ele entendia que não havia abortamento porque, na anencefalia verdadeira, não há vida esperada. É mais que uma situação de morte cerebral porque o cérebro sequer existe. A morte cerebral deflagra a doação de órgãos porque esse é o conceito de morte que usamos desde os anos 50. Se não existe fluxo sangüíneo e atividade cerebral, tendo testes realizados e checados comprovando, acabou. O coração pode parar de bater sem que o indivíduo esteja morto e continuar batendo em pessoas mortas. Mais de 90% das crianças com anencefalia verdadeira morrem na primeira hora pós-parto. A mulher precisa partilhar de uma fé no valor essencial da vida em si mesma, nesta sacralidade, para dar algum significado ao sofrimento de vivenciar uma gravidez inteira que culminará na morte do concepto. Essa mulher não será prejudicada em nada se a interrupção nestes casos for aprovada pelo Supremo. O que não se pode é permitir que os valores de um só grupo social sejam colocados como lei para todos e que mulheres que não partilhem dessas crenças sejam obrigadas a vivenciar essa experiência de frustração e dor”.
“O status moral do embrião está acima da vida da mulher?”
“É muito mais complexa a discussão ética do abortamento de embriões e fetos viáveis, mesmo que até as primeiras 12 semanas, quando o tubo neural ainda não está formado. Porque aqui há um potencial de vida que não existe na morte cerebral nem no anencéfalo. Existe, portanto, um status moral diferenciado desse embrião determinado por esse potencial de desenvolvimento, mas que seguramente não é o mesmo status moral de um bebê com sistema nervoso formado esteja ele dentro ou fora do útero. Tanto não é que podemos legalmente congelar embriões ou eliminá-los em caso de estupro e não podemos fazer o mesmo com bebês. O que precisamos investigar do ponto de vista bioético é se esse status moral do embrião é superior ao status moral das vidas reais e concretas das mulheres em risco de submeter-se a um abortamento inseguro, quarta causa de mortalidade materna no Brasil. Nenhuma lei jamais conseguiu impedir as mulheres de praticar o abortamento quando a gravidez constitui um transtorno à sua vida concreta. Só no Brasil são mais de um milhão ao ano, dos que conseguem ser notificados. Um exemplo: quando uma mulher vítima de violência pelo marido, com quem já tem quatro filhos, engravida, às vezes sob violência, ela aumenta a dependência do agressor e reduz sua capacidade de trabalho através da qual ela pode se livrar da condição. Essa mulher, em geral, vai praticar um aborto inseguro pondo sua vida em risco. O status moral daquele embrião está acima do status moral da vida dessa mulher e de seus outros quatro filhos? A maior pesquisa nacional com mulheres que já fizeram aborto demonstrou que metade delas é católica ou evangélica e contra a descriminalização do aborto. Quer dizer, ela se perdoa, na relação íntima dela com Deus, mas não admite o direito da outra de fazer o mesmo. É preciso discutir isso. É necessário que as pessoas ouçam outras idéias. Mas, infelizmente não há vontade política”.
Leia a entrevista completa: “Campanhas antidrogas mentem” (Blog Mulher 7×7/Época – 31/10/2011)