(Agência Aids, 24/07/2014) Fábio Mesquita, diretor do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, apresentou na Conferência Internacional de Aids, na Austrália, o atual plano brasileiro de combate à doença. A meta é dobrar o número de pessoas tomando medicação. A ideia é melhorar a saúde dos que vivem com o vírus e evitar novas infecções – para isso foi adotada a estratégia conhecida como tratamento como prevenção (TASP). Com ela, o país quer alcançar as metas que o Programa das Nações Unidas Sobre HIV/Aids (Unaids) estipulou essa semana para 2020. No entanto, representantes da comunidade demonstraram preocupação com possíveis violações de direitos humanos.
A política de tratamento como prevenção é uma consequência da pesquisa considerada pela revista “Science” a descoberta científica de 2011. O estudo mostrou que pacientes com HIV adequadamente tratados, ou seja, com o vírus não detectável no sangue, transmitem 96% menos que os não tratados. O estudo Partner, divulgado em março desse ano, corrobora o princípio, pois não mostrou, em seus resultados preliminares, nenhum caso de transmissão entre casais sorodiscordantes (um soronegativo e o outro soropositivo, em tratamento), mesmo havendo relações sexuais sem o uso de preservativo.
Gradualmente, a estratégia vem sendo adotada pelos governos sob a forma de antecipação do tratamento. Antes, os antirretrovirais era recomendado quando a contagem de CD4 (células de defesa) caía para menos de 350, o que significa uma queda moderada da imunidade. Em junho do ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou tratar a partir de 500, ou seja, só uma queda leve já justificaria o tratamento. O Brasil optou por uma solução mais radical: em dezembro de 2013, o novo protocolo clínico de tratamento recomenda o início dos antirretrovirais para qualquer pessoa diagnosticada com HIV, independentemente da imunidade. Foi o terceiro país a optar por esse tratamento universal, depois de Estados Unidos e França.
Quarraisha Abdoo Karim, pesquisadora sul-africana, citou pesquisa que evidenciou que, em população com alta prevalência de HIV, o tratamento dos infectados realmente se traduziu em benefícios para a população. Ele reduziu a transmissão e, portanto, o número de novos casos. Foi a primeira vez que se demonstrou um benefício para toda a comunidade e não só para o parceiro sexual de uma pessoa com HIV. A África do Sul, onde seis milhões de pessoas têm o vírus, anunciou nessa quarta-feira (24) que também passará a tratar a partir de CD4 inferior a 500.
Ativistas mostram preocupação com direitos humanos
Nessa mesma mesa em que o plano de tratamento brasileiro foi destaque, representantes da sociedade civil questionaram o possível viés autoritário do “tratamento como prevenção”. Eles perguntam se realmente o tratamento antecipado é benéfico para o indivíduo que tem a imunidade normal ou se somente para os que estão ao seu redor. A indiana Nukshinaro disse que alguém que está saudável, mesmo tendo HIV, pode não querer enfrentar a modificação que o remédio diário para toda a vida pode trazer, o que inclui possíveis efeitos colaterais.
Edwin Bernard, da organização HIV Justice, que trata de temas legais relacionados à aids, afirmou que esta nova abordagem traz beneficios para o portador do HIV porque , ao diminuir a chance dele transmitir a doença, permite, por exemplo, que ele continue a trabalhar na área da saúde, assim como possibilita que casais sorodiscordantes tenham filhos de forma natural. Porém, Bernard disse que é preciso cuidado para não haver abusos nos direitos humanos de quem vive com o vírus. “Receio que nem sempre os profissionais de saúde forneçam toda a informação necessária para a pessoa tomar uma decisão esclarecida sobre iniciar ou não o tratamento.”
Nova lei brasileira é aplaudida em plenária
Fábio Mesquita afirmou que a política de enfrentamento da epidemia não se baseará somente em estratégicas biomédicas. “Também estamos trabalhando os direitos humanos. Em junho foi aprovada uma lei que torna crime a discriminação da pessoa com HIV no trabalho e na escola”. A notícia foi muito bem recebida, num momento em que vários países reivindicam lei nesse sentido.
Henrique Contreiras e Marina Pecoraro de Melbourne, Austrália
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