“Gravidez não é doença”: as desigualdades de gênero em nosso sistema de justiça, por Janaina Matida

16 de outubro, 2023 Migalhas Por Janaina Matida

No dia 10 dessa semana, chegou a conhecimento público, por meio de vídeo que circulou nas redes sociais, o teor de uma audiência que ocorrera na mesma data. O processo que se relatava trazia um pedido de adiamento do julgamento em razão da gravidez da advogada. Mais precisamente, a advogada pedia nova data porque, a depender do resultado que fosse ser dado ao seu processo, o direito à sustentação oral seria exercido por ela. Pois nem bem a desembargadora relatora do processo havia começado a explicar de que se tratava a situação, foi interrompida pelo presidente:

– Excelência, eu queria ser bastante prático. Há um pedido: vossa Exa. defere ou nega?

– Não, eu vou deferir o pedido, vou deferir…

– Vai adiar o julgamento?

– Exa., ela pediu sustentação oral, ela está, ela acabou…, pelo menos eu estou tomando conhecimento agora pela secretária…

– Evidente, como já dizia Magalhães Barata, que foi governador do Pará, “gravidez não é doença, adquire-se por gosto”.

– Sim, Exa., não é doença, mas é um direito, né? Que a…

– Mas ela não é parte no processo, ela é apenas advogada no processo.

– Ela tinha pedido sustentação oral, Exa.

– Mandava outro substituto. Isso é a coisa mais simples que tem.

– Bom, eu, eu…

– São mais de 10 mil advogados em Belém e acho que todos têm as mesmas qualidades e qualificações que a Dr. Susane Teixeira. Mas a senhora vota… Aliás, eu nem voto nesse processo. Portanto, tudo o que eu falar aqui, esqueçam que eu falei. Vossas Exas. é que decidem. Desembargador Paro, Desembargadora Valquíria; Desembargadora Alda: também calada está, calada permanecerá.

A sessão se desenvolve tendo como desfecho o deferimento do pedido principal feito pela advogada em nome dos interesses do seu representado. Como o resultado era de provimento, os votantes decidiram pelo não adiamento. Até aí, não é difícil compreender a lógica: é de praxe que se desista da sustentação oral nos casos em que o magistrado adianta, ali mesmo, durante a audiência, que se convenceu do pleito. Provavelmente, se presente, informada de que a decisão seria de provimento, a própria advogada renunciaria à sustentação, economizando tanto o tempo dos magistrados quanto as suas energias.

Mas aquela cena atraiu a atenção da comunidade jurídica por representar as múltiplas camadas de opressão a que as mulheres são sistematicamente submetidas quando buscam exercer as suas profissões. De uma só vez, a atuação que foi-nos possível conhecer por vídeo, atingiu tanto a desembargadora relatora, quanto a advogada do caso. A primeira, pelas diversas interrupções (manterrupting) e “explicações” (manexplaining) rispidamente impostas; a segunda, pela resistência ao adiamento do feito para que suas prerrogativas, enquanto advogada, fossem integramente preservadas. Em pouco mais de quatro minutos, o magistrado – da Justiça Trabalhista – desconsidera duas profissionais mulheres, que tão-somente pretendiam desempenhar seus respectivos ofícios.

O episódio tem timing (com o perdão pelo uso de mais um termo em inglês). Ele aconteceu no exato dia em que se celebra o Dia Nacional da Luta Contra a Violência à Mulher e na mesma semana em que a Real Academia de Ciência da Suécia anunciou o Prêmio Nobel de Economia desse ano.

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