Consumo e denúncias em redes sociais fazem cervejarias repensarem propagandas machistas

04 de outubro, 2015

(Folha de S. Paulo, 04/10/2015) Marcas acordam para público feminino e criam comerciais sem conotação sensual, em que elas são protagonistas

Nas redes sociais e nos bares, grupos investem contra machismo e preconceito sobre o que é “bebida de mulher”

Ela pede ao garçom uma cerveja. Ele escolhe um suco de laranja sem açúcar. Minutos depois, volta o garçom apressado. Serve a cerveja a ele. A ela entrega o suco.

Leia também: Objetificação da mulher em comerciais é tão ruim que afeta até os homens, diz estudo (Brasil Post, 29/09/2015)

A situação, vivida por esta dupla de repórteres em um bar paulistano na última semana, é rotina para casais cujas mulheres apreciam um trago de cerveja.

Ganhou fama recente nas redes sociais o vídeo de um movimento chamado “We All Love Beer” (todos nós adoramos cerveja). O filme questiona por que a voz das mulheres não é ouvida nos bares.

Na sequência, mostra confusões de garçons que, doutrinados pelo mito de que cerveja é coisa de homem, evitam repassar o copo etílico a mãos femininas.

Uma pesquisa da Euromonitor aponta uma crescente disposição das mulheres brasileiras para comprar bebida alcoólica. A parcela que afirmou consumir fora de casa com alguma frequência subiu de 54% para 65% entre 2011 e 2013.

De acordo com a Nielsen, no consumo específico de cerveja, elas já respondem por 35%.

NOVAS EXPERIÊNCIAS

Um mercado historicamente machista começa a se dobrar à crescente participação de mulheres na demanda.Na última semana, a Heineken lançou nova campanha publicitária em que põe a mulher no papel de destaque. Até aí, sem novidade.

O que surpreende o consumidor é que a protagonista do comercial não é o mulherão que insinua enormes seios e glúteos em pouca roupa.

Desta vez, a personagem é uma moça de curvas discretas, com ares de inteligência e perspicácia, capaz de salvar o agente secreto 007, interpretado por Daniel Craig, de uma terrível cilada.

O diretor de marketing da Heineken no Brasil, Bernardo Spielmann, afirma que a prioridade da marca é mostrar personagens “confiantes para se arriscarem em novas experiências”. “O público feminino está aumentando sua participação no consumo de Heineken, que hoje já representa cerca de 40% do nosso volume”, afirma ele.

A Ambev, que já foi alvo de críticas por comerciais machistas diversas vezes (veja quadro abaixo), também tenta se renovar.

Segundo a diretora de marketing do núcleo de Antarctica, Maria Fernanda Albuquerque, a marca procura retratar a realidade de forma mais fiel e incluir a mulher como público atuante.

Na próxima campanha, a atriz Tatá Werneck e a cantora Gaby Amarantos irão representar quem bebe cerveja e fugir do estereótipo de mulher sem opinião.

CONFRARIA FEMININA

Para Sergio Lage, professor da ESPM, essa massificação do consumo feminino é relativamente nova e atrai empresas, que “tentam romper com a velha lógica que trata a mulher como objeto”.

“Elas estão nas redes sociais e reagem a mensagens machistas. Muitas deixam de consumir determinadas marcas”, afirma Lage.

Ele reconhece o esforço de algumas marcas em aumentar o interesse e as ocasiões de consumo, se comunicar com o público feminino e “criar valores emocionais mais efetivos”, mas não generaliza.

“Mas ainda há marcas que preferem bater na tecla das campanhas tradicionais e não se posicionam para atender essa nova mulher”, diz.

O interesse feminino pelo produto evoluiu na esteira da sofisticação do consumo por meio das cervejas artesanais –hoje o segmento que mais cresce no setor e desafia multinacionais, como demonstram as gigantes SABMiller e AB InBev tentando adquirir produtores artesanais a fim de capturar tal transição.

A tendência impulsionou, nos últimos anos, a criação de confrarias só de mulheres para harmonizar e degustar lançamentos da bebida ou cervejas preparadas pelas próprias participantes.

“O consumo feminino cresceu nos últimos cinco anos e há até uma discussão se a mulher tem paladar diferente e deveria haver uma cerveja específica para ela”, diz a cervejeira Eduarda Cabral Dardeau, fundadora da confraria FemAle Carioca.

“Não é preciso fazer cerveja com pouco álcool para a agradá-la. Pode ser encorpada e envelhecida.”

O avanço no consumo feminino vem acompanhado por iniciativas para criticar o modelo mais comum na publicidade.

Alex Caíres lidera o projeto de documentário “Mulher, Cerveja e Machismo”. A ideia surgiu a partir da personagem Verão, interpretada por uma ex-bailarina do Faustão em vídeos da Itaipava.

“A propaganda representa a mulher como um produto de consumo, um objeto, um fetiche, e quase nunca como consumidora ou protagonista”, justifica.

Amon Borges e Joana Cunha

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