(Folha de S. Paulo, 24/01/2015) Infelizmente, discussões globais não parecem ter gerado análise consistente sobre a situação brasileira
O hediondo atentado de Paris gerou uma onda de manifestações em defesa da liberdade de expressão, mas também de violentos protestos, como os da Chechênia e da Nigéria.
Os debates sobre os limites da liberdade de expressão também têm sido intensos. E não podia ser diferente. Afinal, ela tem sido essencial para a vida democrática, o progresso da ciência e a emancipação social.
Infelizmente, a discussão global não parece ter gerado análise mais consistente sobre a forma idiossincrática como a liberdade de expressão vem sendo tratada no Brasil.
Um primeiro problema tem sido o emprego abusivo de medidas judiciais para censurar os meios de comunicação na divulgação de informações sobre políticos e outras pessoas que exercem função pública. Decisões como a que proibiu o jornal “O Estado de S. Paulo” de divulgar informações sobre a família Sarney têm proliferado Brasil afora, com enormes prejuízos para a cidadania.
Juízes também têm sido cada vez mais generosos em declarar sigilo em processos que possam vir a causar embaraço a réus ou partes, sendo que a Constituição é mais do que clara ao estabelecer que os processos são, por regra, públicos, devendo apenas excepcionalmente transcorrer em sigilo.
E o fato de um réu ser uma figura pública não pode ser utilizado como argumento, em si, para torná-lo imune ao escrutínio da imprensa.
Mas a culpa não é apenas dos juízes. Os legisladores também não tomaram o devido cuidado ao redigirem o novo Código Civil, ao estabelecerem a necessidade de prévia anuência da pessoa ou de seus familiares para a divulgação de informação que lhes diga respeito, criando uma esdrúxula barreira às biografias, aos estudos historiográficos e mesmo às reportagens.
Da mesma maneira, os magistrados têm atendido, de forma indiscriminada, solicitações para que informações circulantes na rede de computadores sejam suprimidas.
Um primeiro desafio para nossos magistrados é estabelecer uma distinção mais clara entre a proteção devida à pessoa pública e aquela devida à pessoa privada.
Tanto políticos como celebridades, sejam elas artistas ou esportistas, que optaram por realizar seus projetos de vida de forma mais exposta, não podem reivindicar o mesmo grau de proteção à imagem que os anônimos. O mesmo seja dito daqueles que, embora protegidos corporativamente, beneficiam-se do poder público e de seus recursos.
Há ainda a questão dos discursos ofensivos, das mais variadas matizes. Embora não estejamos assistindo no Brasil à radicalidade dos confrontos vividos em outros países, a tensão religiosa tem aumentado e requer uma atenção especial.
O importante a ponderar, no entanto, especialmente num momento dramático como o que estamos vivendo, é que as limitações à liberdade de expressão tendem, no final do dia, a prejudicar os mais vulneráveis e a fortalecer os mais poderosos, seja na política, nas relações sociais e mesmo nas familiares.
Ainda que essas limitações tenham sido colocadas com o objetivo de proteger outros bens e interesses legítimos dentro de uma sociedade.
Várias dessas questões aguardam uma solução do Supremo. Não são questões fáceis. Mas a construção de padrões mais claros e seguros deve nos ajudar a enfrentar a borrasca.
Acesse o PDF: Liberdade de expressão, por Oscar Vilhena Vieira (Folha de S. Paulo, 24/01/2015)