(UOL, 09/03/2016) Durante a pesquisa para escrever “Os Dez Mandamentos”, Vivian de Oliveira ouviu de um historiador a espantosa observação de que, naquela época, “uma mulher valia menos que uma vaca ou uma ovelha”. Inconformada com a possibilidade de só mostrar mulheres submissas numa trama bíblica, decidiu valorizar o que elas tinham de mais forte, como nas relações familiares.
“Elas não eram contadas no censo, a descendência só contava a partir do homem. Mulher não podia nem discordar em público do marido. Mas eu não me conformava e fui pesquisando mais, fiz questão de mostrar uma mulher muito forte, mesmo naquela época. Nos bastidores ela exercia uma grande influência”, contou a autora, que participou de um debate sobre representatividade feminina no audiovisual brasileiro no RioContentMarket, na manhã desta quarta-feira (9).
A escritora deu o exemplo de Joquebede (Samara Felippo/Denise Del Vecchio), que considera uma mulher de fibra. “Todas as mulheres se conformaram com o decreto do rei (de mandar matar os primogênitos), mas ela se arriscou. Era muito mais difícil sobreviver. O homem podia rejeitar a mulher se ela não soubesse cozinhar, se não pudesse engravidar”, afirmou.
No que diz respeito a igualdade no mercado de trabalho, a cineasta Anna Muylaert contou que só percebeu de verdade preconceito dos colegas com a repercussão de “Que Horas Ela Volta?”.
“Quando você faz curta, documentário, todo mundo acha: ‘Que bonitinho’. Mas quando cheguei a esse nível de sucesso, em termos de dinheiro, orçamento, a que nunca tinha chegado senti um sexismo muito maior do que no início da minha carreira.A partir de um certo nível de poder, mulher não existe. Os caras não têm vergonha de fechar a porta na sua cara”,contou Muylaert.
Ao apresentar o longa no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, ela ouviu da diretora de programação que filmes sobre sexismo era uma tendência. Mas a roteirista e diretora só percebeu o quanto a própria obra tratava do assunto ao ser frequentemente convidada para debates.
“Nunca tinha parado para pensar que era sobre empoderamento feminino, a equipe em sua maioria era de mulheres, aquilo era natural para a gente. Está na hora de a mulher ocupar o lugar que merece. A gente precisa um pouco menos de humildade, e os homens, um pouco menos de arrogância“, declarou ela, na participação mais aplaudida do painel.
Coautora de “Totalmente Demais” e diretora de longas como “Desenrola” e “Como Ser Solteiro”, Rosane Svartman afirmou que no seu trabalho valoriza o equilíbrio do ponto de vista feminino e masculino. “Escrevo a novela com o Paulo Halm, que tem outra visão de mundo. Acho que enriquece escrever e dirigir com outras pessoas. No ‘Desenrola’, que escrevi com a Juliana Lins, chamamos três rapazes para ajudar no roteiro”, lembrou.
Já a cineasta Petra Costa revelou que um dos comentários que ouviu sobre o documentário “Elena”, dedicado à sua irmã, foi justamente sobre a falta de homens no filme.
“Perguntaram: ‘Mas por que você não mostra os namorados dela?’. Engraçado, ninguém pergunta onde estão as mulheres de ‘O Poderoso Chefão’. Na adolescência eu estudava teatro e nem vislumbrava ser diretora, porque não achava que era possível. Mas não me identificava com as personagens femininas dos filmes que eu gostava”, contou.
A resposta ao recente “O Olmo e a Gaivota”, foi ainda mais violenta. “Fizemos um vídeo falando da questão do corpo, do aborto, e fui atacada pelas igrejas católica e evangélica. No Instagram, pediram para atacar a mim e aos atores. Como a gente pode viver essa inversão? As religiões judaico-cristãs são as mais machistas. As mulheres eram figuras fortes no Egito, na literatura grega, na teologia indiana. Vamos voltar a essas narrativas”, disse.
Giselle de Almeida
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