29/12/2013 – Curso forma integrantes do Femen na Espanha

29 de dezembro, 2013

(Folha de S.Paulo) Corrida, flexões de braço, postura corporal, expressão facial (sempre com cara de brava), táticas de fuga e até noções de costura.

Não basta fazer topless para ser integrante do Femen, o grupo de ativistas conhecidas mundo afora por protestar sem camisa, com flores na cabeça e dizeres no corpo.

Entrar para o movimento exige disciplina e esforço físico, como a Folha constatou ao participar do curso preparatório da filial espanhola da organização, em Madri.

Durante um mês, a reportagem teve aulas práticas e teóricas, que incluíram a maneira correta de gritar, correr, resistir à polícia e mostrar os seios sem cair na armadilha da “sensualização” –pecado mortal para elas.

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Além da repórter (que se identificou como tal), havia outras cinco alunas no programa, que é gratuito. O curso segue à risca o manual internacional do Femen, grupo fundado na Ucrânia há cinco anos para protestar contra a opressão às mulheres no país.

Aos poucos, os protestos nada convencionais começaram a angariar a atenção do mundo, e o grupo abriu representações na Europa e na América. Seu quartel-general foi transferido para Paris, onde acontecem treinamentos anuais das ativistas de todo o mundo.

Além de França, Ucrânia e Espanha, o Femen está presente na Alemanha, na Holanda, na Suécia, no Canadá, na Turquia e no México e se prepara para entrar no Reino Unido.

No Brasil, o movimento ensaiou uma abertura no ano passado, mas a então líder no país foi desligada do grupo por “conflitos ideológicos”.

Os protestos, sempre comunicados ao quartel-general, seguem as três principais premissas do grupo: exterminar todos os regimes ditatoriais, acabar totalmente com a prostituição no mundo e separar o Estado de qualquer religião.

A seguir, quatro lições básicas de como ser uma Femen, segundo o curso.

LIÇÃO 1: O TREINO

Ser Femen exige esforço físico e disciplina. As ativistas fazem um treino semanal com cooper, abdominais, flexões, corrida de explosão e simulações de protestos.

Tudo para manter a forma física –o que, segundo as líderes do movimento, nada tem a ver com a estética.

A ideia é que as ativistas estejam sempre fortes e preparadas para as vezes em que têm de correr da polícia ou se agarrar em alguma pilastra para não serem retiradas de onde estão protestando.

Quanto mais força para resistir, por mais tempo a mensagem será ouvida. E, para isso, há que treinar muito.

Nos exercícios de Madri de que a Folha participou, o grupo corre pelas ruas, saindo da base do Femen, um pequeno escritório sem identificação (para garantir a segurança das componentes).

O Femen aceita mulheres com qualquer nível de preparação física, mas exige esforço. Na hora da corrida, todas as ativistas tiveram de manter o mesmo ritmo, sob frio de 5ºC. Ao fim da corrida, de cerca de meia hora, em um parque da cidade, todas praticam exercícios de explosão seguidos das simulações de um protesto.

Aprende-se a gritar os lemas do grupo –como “foda-se sua moral”, “meu corpo, minhas regras” e “muçulmanas, vamos nos desnudar”–, que devem ser sempre entoados com expressões de raiva, para, segundo o grupo, expressar o sentimento com que se protesta.

A mesma expressão, acompanhada de desaforos, é reproduzida a pedestres que, via de regra, fazem gracinhas com as meninas correndo.

LIÇÃO 2: O TOPLESS

Uma das principais críticas ao Femen é direcionada à forma com que protestam, praticando topless. Para as ativistas, a explicação é lógica: querem colocar em questão a ideia de que o corpo da mulher só pode ser mostrado com conotação sexual e em ocasiões esperadas.

“Usar o corpo como arma política é uma estratégia para lutar contra o sistema com algo que ele sempre teve sob controle. E não tem nada a ver com mostrar o corpo para atrair gente. Não mostramos o corpo como um instrumento erótico, mas combativo”, diz à Folha a líder do Femen na Espanha, Lara Alcázar.

Com 21 anos, a estudante espanhola participou do treinamento na sede do Femen em Paris e no início do ano foi nomeada líder do movimento em seu país.

Desde então, ela se mudou para Madri, de onde comanda todos os atos e treinamentos do grupo espanhol.

Com os corpos pintados, elas vão de encontro a seus alvos, que podem ser desde manifestantes de causas contrárias às suas a mandatários em atos oficiais.

O objetivo é causar espanto e chocar, o que acontece –com raras exceções.

Numa das vezes em que não deu certo, o presidente russo, Vladimir Putin, foi interpelado pelas ativistas em um encontro na Alemanha com a chanceler Angela Merkel, em abril. Ele olhou calma e diretamente os seios de uma delas e fez o sinal de OK.

Mas as ativistas do Femen não são obrigadas a fazer topless. Podem participar na organização dos atos ou na estrutura interna do grupo, que na Espanha conta com 20 integrantes.

A reportagem acompanhou atividades paralelas como a confecção de coroas usadas nos protestos, feitas com flores artificiais delicadamente costuradas e coladas em arames e fitas.

LIÇÃO 3: A POSTURA

Para deixar bem claro que as ativistas mostram os seios por um ato político, o “código de conduta” do Femen ensina as ativistas a eliminar vícios de postura que possam parecer sensuais.

Ao protestar, é preciso estar com o corpo ereto, não se apoiar sobre o quadril e evitar deixar a cintura cair para um dos lados.

As ativistas são instruídas também a protestar com os punhos cerrados em riste ou sobre a cintura.

A cara deve ser sempre de indignação, para refletir o sentimento do movimento sobre os temas contra os quais protestam. A voz, firme e alta. Sorrir, jamais.

Nos treinos, as ativistas aprendem a não se intimidar com a pressão de policiais. Para isso, são postas cara a cara com outras componentes do grupo, ou empurradas e puxadas por elas sem deixar de gritar os lemas. Quem parar na metade é punida com flexões (o que aconteceu com a repórter da Folha).

LIÇÃO 4: A IDEOLOGIA

Embora os pleitos políticos do Femen sejam muitos, dos direitos da mulher ao fim de ditaduras, o grupo não é muito adepto de criar teorias.

A tática é levar, com poucas palavras e temas concretos, o movimento feminista para as ruas, em lugar de discuti-lo em debates e congressos.

Suas ideologias são defendidas com frases curtas e estampadas nos corpos ou em cartazes, como “meu corpo, minha decisão” e “não mais papa”. Além das lutas comuns, em cada país o movimento tem temas diferentes. Na Ucrânia e na Rússia, brigam contra a repressão. Na Espanha, a bandeira é a nova e restritiva Lei de Aborto.

LUISA BELCHIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MADRI

Acesse em pdf: Curso forma integrantes do Femen na Espanha (Folha de S.Paulo – 29/12/2013)

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