Exijo ser tratada como ser humano.
(HuffPost Brasil, 12/12/2016 – acesse no site de origem)
Estou cansada. Completamente exausta. Tenho tentado ignorar as pessoas quando fazem comentários ignorantes sobre o feminismo, contam piadas para menosprezar o movimento ou, de modo geral, o tratam como um esforço sem valor empreendido por mulheres sem valor que não sabem que a única coisa que pode lhes fazer valer alguma coisa é um homem.
Dói ainda mais quando essas declarações são feitas por mulheres, porque eu imaginaria que sua experiência de sofrer os efeitos do sexismo em primeira mão as converteria em feministas automáticas, mas acho que o sistema do patriarcado torna isso impossível, sem falar que a ignorância desempenha um papel enorme em tudo isso.
Embora a ignorância não seja uma defesa admitida pela lei, decidi me esforçar para educar as pessoas. Escrevo este artigo na esperança de que alguém o leia e compreenda o que é o feminismo e pelo que as feministas lutam.
Eu estava percorrendo minha linha do tempo quando vi este tuite:
(“Essa coisa feminista é um nojo. Vocês lutam pelo quê, afinal? No fim das contas ainda vão ficar à espera de um homem que as peça em casamento”)
O tuíte que me deixou furiosa.
Minha reação imediata foi de raiva. Fiquei furiosa porque alguém pegou o movimento inteiro que luta pela emancipação e a igualdade das mulheres em todo o mundo e o reduziu a convidar homens para sair ou pedi-los em casamento.
Detesto que as pessoas peguem o feminismo e o reduzam a coisas tão triviais. Minha raiva se deveu especialmente ao fato de que esta semana, quando eu estava andando na rua em Yaba, cuidando de minha própria vida, um homem pôs as mãos no meu peito e disse: “Gosto de seus seios”.
Ele não tocou simplesmente – agarrou firme como se tivesse o direito de fazer isso e ainda me disse que gostava. Eu me senti tão impotente, porque ele estava cercado por outros homens que ficaram rindo e incentivando-o a continuar.
Um deles chegou a falar: “Se ela disser que não, agarre mais e aperte com força”. Me senti impotente. Não havia nada que eu pudesse fazer. Eram uns cinco homens fortões, e eu tive medo de eles me fazerem mal se eu reagisse. Então fui embora em silêncio, sem dizer nada.
Esses homens acham que têm o direito de usar o corpo das mulheres; acham que podem usar as mulheres como bem entenderem. Não é uma loucura que não exista nenhum sistema para ajudar as mulheres que diariamente são vítimas desse tipo de agressão?
No entanto, alguém pega o feminismo que tanto prezo e o reduz a sair com homens e pagar sua parte.
Percebi que ainda temos um longo caminho a percorrer para educar as pessoas sobre o que o feminismo é e não é.
Antes de continuar, quero definir os seguintes termos da maneira mais simples possível.
Igualdade – O estado de ser igual, especialmente em matéria de status, direitos e oportunidades.
Feminismo – A defesa dos direitos das mulheres, visando a igualdade entre homens e mulheres.
Escolha – um ato de optar entre duas ou mais possibilidades.
Todas as formas de feminismo são válidas. Toda mulher tem o direito de expressar-se como bem entender, desde que lhe sejam oferecidos os mesmos direitos e oportunidades que os oferecidos aos membros do sexo oposto.
“O feminismo é simples como o ABC. Queremos ser tratadas exatamente como são tratados os homens.”
O feminismo é tão simples quanto o ABC. Queremos ser tratadas exatamente como os homens. Queremos ser tratadas com o mesmo respeito e ter acesso às mesmas oportunidades.
Fundamentalmente, o movimento feminista é a mesma coisa, quer seja o movimento feminista liberal, feminista radical, o mulherismo (feminismo negro) ou o pós-feminismo. Queremos que as mulheres sejam livres para expressar-se como bem lhes aprouver, sem serem limitadas de qualquer maneira ou forma. Queremos que as mulheres tenham a oportunidade de escolher o que querem ser.
Se uma mulher decidir ser dona-de-casa, queremos que seja sua própria escolha. Sua própria decisão.
Só é possível fazer uma escolha quando você dispõe de várias opções. Vou ilustrar. Quando uma mulher opta por ser dona-de-casa, queremos que ela tenha a oportunidade de envolver-se com a força de trabalho no momento em que ela porventura queira e de receber salário igual ao dos homens.
Queremos que ela tenha a oportunidade de envolver-se na política. Queremos que ela tenha a oportunidade de ir para o espaço se for isso que ela quiser, sem que ninguém se espante nem pergunte quem vai estar cozinhando para seu marido enquanto ela estiver em Marte promovendo a causa da humanidade.
O que ela escolher entre essa lista de opções será uma decisão tomada por ela e que não cabe a mais ninguém. Se ela decidir que seu negócio é preparar cookies e cuidar do lar, ótimo! As feministas não são contra isso. Somos contra a ideia de mulheres serem reduzidas a seres domésticos e forçadas a ser isso, sem que suas opções sejam levadas em conta.
As feministas lutam para que toda mulher no mundo tenha as mesmas oportunidades que os homens, antes de fazer sua escolha. Vale lembrar também que uma mulher pode escolher mais de uma opção. Exigimos a oportunidade de provar tudo o que quisermos do bufê da vida.
Segundo a Wikipedia:
Em 2002, a porcentagem bruta de mulheres matriculadas em escolas primárias, secundárias e terciárias foi de 57%, contra 71% no caso dos homens. Isso se traduz também em menos mulheres em determinados campos econômicos.
A porcentagem de mulheres atuantes em algumas profissões seletas foi: arquitetos, 2,4%; planejadores de custos no setor da construção, 3,5%; advogados/juristas, 25,4%; palestrantes, 11,8%; obstetras e ginecologistas, 8,4%.
Em 2016 as crianças do sexo feminino na Nigéria ainda não têm o mesmo acesso a oportunidades educacionais quanto têm as do sexo masculino, e o presidente declara que o lugar de sua esposa é na cozinha. Por que não deveríamos ficar indignadas? Isso não é motivo suficiente para ficarmos furiosas?
As mulheres ainda são sistematicamente excluídas dos locais de trabalho e sofrem discriminação no trabalho. As mulheres são vistas como funcionárias inadequadas porque engravidam e são obrigadas a tirar licença-maternidade paga, algo que é visto pelos empregadores como pouco rentável, de modo que eles preferem não empregar mulheres.
As mulheres recebem salários menores que os dos homens que exercem papéis semelhantes em organizações, porque “os homens são mais responsáveis”.
O casamento infantil ainda acontece amplamente na Nigéria. Recentemente o emir de Katsina sequestrou uma menina de 14 anos, uma garota que era adolescente havia apenas um ano, casou-se com ela e diz que o casamento é “irrevogável”.
Se o emir pode fazer algo assim abertamente, imagine o que não fazem homens analfabetos no norte do país. Praticam a pedofilia abertamente e ficam completamente impunes.
“Exijo ser tratada como ser humano e nada menos que isso e vou lugar para que outras mulheres recebam o mesmo tratamento.”
As mulheres estupradas na Nigéria ainda são expostas ao opróbrio, tratadas como se a culpa fosse delas. O sistema simplesmente não ajude. Em toda a história de nosso sistema legal houve menos de 18 casos de estupro em que o responsável foi condenado. O primeiro instinto das pessoas é proteger o estuprador e sua “reputação”.
O nível de violência doméstica é alto na Nigéria. O governo estadual de Lagos promulgou leis para proteger as mulheres contra isso, mas quantos outros Estados já fizeram o mesmo?
Mulheres são vítimas de grande injustiça todos os dias na Nigéria. Mas há quem pense que o feminismo diz respeito a quem paga a conta quando duas pessoas saem para namorar ou quem prepara a comida em casa.
Tudo o que pedimos é para ser tratadas do mesmo modo como são tratados os homens nigerianos e receber o mesmo respeito e as mesmas oportunidades que eles. Não quero ser humilhada por causa de minha sexualidade, quando isso não acontece com garotos de minha idade.
Quando recebo prêmios por ótimo desempenho acadêmico, não quero que me façam perguntas tipo “como você lida com os meninos e a escola?”.
Exijo ser tratada como ser humano e nada menos que isso. E vou lutar para que outras mulheres recebam o mesmo tratamento.
Sou feminista e estou revoltada. Não vou parar de estar revoltada enquanto não me derem o tratamento correto que eu mereço e enquanto o mesmo tratamento não for dado a mulheres em toda a Nigéria, independentemente de sua origem socioeconômica.
*Texto originalmente publicado no Medium.