Atuação feminina em cargos do Executivo é abaixo da média mundial e deixa país em último lugar no continente americano
(El País, 30/03/2018 – acesse no site de origem)
Ao longo dos últimos anos, o mundo vem presenciando um grito potente de mulheres que, em diversos países, clamam por igualdade de gênero. Em diferentes esferas, dos estádios de futebol ao ambiente corporativo, há uma luta pela reivindicação feminina dos espaços e para a garantia dos direitos já conquistados. A primavera feminista é vivida no Brasil desde 2015 e este parece ser um movimento sem volta.
Mesmo assim, a caminhada ainda parece longa quando se trata do universo da política. Neste âmbito, o Brasil está na lanterna (161ª posição) de um ranking de 186 países sobre a representatividade feminina no poder executivo, atrás de todos os outros países do continente americano. Em primeiro lugar no levantamento, que analisou a evolução histórica da participação feminina no poder Executivo de 1940 até hoje, está a Nova Zelândia, seguida do Chile – cuja presidenta Michele Bachellet está pela segunda vez no poder – e Reino Unido, que, assim como a Nova Zelândia, tem a rainha Elizabeth II no reinado desde 1952.
O levantamento foi realizado pelo Projeto Mulheres Inspiradoras, que atua pela participação feminina nos espaços de poder. Para chegar às conclusões, foram cruzados dados fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral(TSE), ONU e Banco Mundial. A pesquisa apontou, por exemplo, que dos 186 países ranqueados, somente 17 têm mulheres como chefes de governo atualmente. Isso significa que hoje, cerca de 92% da população mundial é governada por homens.
Na realidade brasileira, o levantamento fez um raio-X dos cargos ocupados por mulheres na esfera federal, estadual e municipal. Em relação às nomeações para cargos do alto escalão, em dez anos – entre 2005 e 2016 – a participação percentual delas nos ministérios cresceu apenas 4,5%. O número não considera a realidade atual, de apenas uma mulher – Grace Maria Mendonça, da Advocacia-Geral da União – entre os ministros. Enquanto isso, a média mundial de mulheres no primeiro escalão é 18%.
Já entre os chefes de governo dos Estados, o Brasil está praticamente parado no tempo. Hoje, há apenas uma mulher governadora: Suely Campos (PP), em Roraima. Isso significa que das 20 candidatas que disputaram algum governo do Estado na última eleição (2014), apenas uma foi eleita. Para se ter uma ideia, há 24 anos, quando o país ensaiava os primeiros passos do Plano Real, estávamos no mesmo patamar na quantidade de governadoras. A estimativa feita com o levantamento é que as mulheres só conseguirão ocupar metade das cadeiras ao governo do Estado no país em 2065. Isso se o ritmo de crescimento for mantido.
Nas secretarias dos governos estaduais, os homens representam 70% dos secretariados. Para Marlene Machado, diretora-executiva do Projeto Mulheres Inspiradoras, não somente a sociedade precisa estar atenta a esses números, como os partidos políticos precisam tomar providências. “Os partidos precisam ter um olhar diferenciado para esta questão”, diz. “Precisamos ter mulheres no comando, nas executivas dos partidos. As mulheres precisam ter vida partidária”.
Prefeituras
O exemplo mais recente do quanto os partidos não estão atentos à disparidade de gênero na política são os números das últimas eleições municipais (2016). Cerca de 68% das cidades sequer tiveram uma candidata à Prefeitura. O reflexo disso é que hoje, a cada dez municípios, somente um é administrado por uma mulher.
No recorte por raça, a disparidade é ainda maior: 61% dos prefeitos eleitos foram homens brancos. Apenas 1,5% homens negros e menos de 1% mulheres negras. Já no ranking por região, o nordeste é a que mais tem presença feminina no poder executivo: 16%, quatro pontos percentuais acima da média nacional. O Rio Grande do Norte é o Estado brasileiro que mais tem mulheres prefeitas.
A região também foi a que, na última eleição presidencial, mais votou nas candidatas à presidência mulheres – naquele ano, 2014, Dilma Rousseff (PT)tentava a reeleição e disputava, além dos candidatos homens, com Marina Silva (Rede) e Luciana Genro (PSOL). Segundo o levantamento, 83% dos votos válidos da região foram para alguma dessas três candidatas. O percentual foi puxado pela petista, que teve pouco mais de 78% dos votos válidos daquela região.
Até o momento, entre os pré-candidatos à presidência que já manifestaram suas candidaturas, há apenas duas mulheres, Marina Silva (Rede) e Manuela D’Ávila (PCdoB).
Direito ao voto
O ranking lembrou também a diferença de tempo entre o direito ao voto conquistado pelos homens e pelas mulheres nos países estudados. Embora não sejam inéditos, os dados são importantes para entender algumas realidades. Na Nova Zelândia, país que tem a maior presença feminina, por mais tempo, no poder Executivo, o direito ao voto foi conquistado quase ao mesmo tempo para homens e mulheres. Em 1889, homens podiam votar e ser votados. Quatro anos depois, em 1893, o mesmo valia para mulheres.
No Chile, segundo colocado no ranking, mulheres e homens puderam votar e ser votados no mesmo ano, em 1970. Já no Brasil, enquanto homens puderam votar e ser votados a partir de 1891, as mulheres só conquistaram este direito em 1932, 41 anos depois.
Marina Rossi