(Scribd, 14/09/2014) “Temos uma certa volúpia pelo excêntrico… Outra excentricidade do momento — sob a rubrica ‘Só no Brasil’ — é o fato de a candidata mais revolucionária nestas eleições ser ao mesmo tempo a mais conservadora”. Luis Fernando Verissimo (O Globo, 14/09/2014)
Talvez seja uma excentricidade, talvez seja ironia, mas o que as pesquisas de intenção de voto à Presidência da República estão mostrando, em 2014, é que o eleitorado negro vota proporcionalmente mais em uma candidata branca e o eleitorado branco vota proporcionalmente mais em uma candidata negra.
Pesquisa IBOPE realizada entre 31/08 e 02/09/2014, com 2506 entrevistas, em 175 municípios do Brasil,mostra a candidata Dilma Rousseff com 37% das intenções de voto no primeiro turno em todo o eleitorado brasileiro, Marina Silva com 33% e Aécio Neves com 15%. Considerando a variável sexo,Dilma e Aécio tinham proporcionalmente mais votos entre os homens e Marina mais votos entre as mulheres. Em relação à variável “raça”/cor, Dilma Rousseff tinha 40% das intenções de voto da população negra (preta+parda) e 32% da população branca, enquanto Marina Silva tinha 36% das intenções de voto da população branca e 32% da população negra. Ou seja, Dilma ganharia na população negra e Marina ganharia na população branca.
Boa parte do movimento negro apoia a candidata do PT, Dilma Rousseff, por conta das políticas de ações afirmativas (de classe/social e de “raça”/cor) desenvolvidas nos 12 anos de governos petistas. Oeleitorado negro (preto + pardo) vota de acordo com as politicas de ação afirmativa, tais como BolsaFamilia, cotas raciais nas universidades e nos concursos públicos, etc.
Ou seja, o eleitorado negro não vota predominantemente na primeira candidata negra com chances reais de vencer uma eleição presidencial no Brasil. Isto quer dizer que entre as variáveis que mais contribuem para a decisão do voto em 2014 não está o quesito “raça/cor”. As políticas afirmativas e outras propostas tais como direitos sexuais e reprodutivos contam mais que a “raça”/cor das/os candidatas/os.
Matéria de Ricardo Senra, da BBC Brasil (11/09/2014), mostra que apesar de ser a única candidata à Presidência (entre 11 candidaturas em 2014) a se declarar negra e a única entre os três principais candidaturas a dedicar um capítulo inteiro do programa de governo à população negra, a ex-senadoranão é percebida como representante dessa parcela dos eleitores. Marina é analisada com desconfiançapor professores universitários, institutos de pesquisa, coletivos, organizações sociais e ativistas domovimento negro. As críticas mais frequentes questionam a postura da candidata sobre temasimportantes à militância negra: liberdade para religiões de matriz africana, registro de terras paracomunidades quilombolas, viabilização de políticas afirmativas, como cotas raciais, e a falta de vínculoscom o movimento.
Segundo Paulino Cardoso, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), ouvidopela BBC:”Ficamos muito felizes que alguém se autodeclare negro, mas em hipótese alguma Marinarepresenta a luta dessa população”… “Somos *os negros+ os mais miseráveis entre os miseráveis no Brasil. Será que o Estado enxuto que ela promete, de caráter neoliberal, com Banco Central independente, vai conseguir financiar nossas políticas sociais?”.
A candidata negra encontra resistência dos afrodescendentes. Parece então que a cor da pessoa candidata não é o fator mais importante na definição do voto. Por ironia, isto coloca em xeque as políticas afirmativas para maior inclusão de “minorias raciais” nos espaços de poder, pois se o importante são as políticas universalistas ou de ações afirmativas a cor da/o ocupante da Presidência da República se torna uma questão menos relevante.
José Eustáquio Diniz Alves Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]
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