(El País, 12/08/2016) Não é que seja difícil para a mulher na política; é quase impossível
Mandona, rígida, arrogante, orgulhosa, petulante. São adjetivos que diversos políticos e comentaristas conservadores do Brasil dedicaram à presidenta Dilma Rousseff na longa temporada em que procuraram motivos para sua destituição. Em alguns casos, não a criticaram só por sua personalidade, mas também por sua falta de feminilidade e seu gosto por roupas de corte masculino e que não a favorecem.
Em abril, a revista IstoÉ levou essas críticas ao ponto culminante. Publicou em sua capa a cara de uma Dilma descontrolada, com o título: “As explosões nervosas da presidente”. Um trecho da reportagem: “[Sua] maneira temperamental de lidar com as situações não é nova, embora tenha se agravado nas últimas semanas”. Uma expressão implicitamente machista: Dilma estava histérica.
A imprensa conservadora parecia muito mais contente com a chegada de um homem como Michel Temer ao poder. Sobre sua mulher, a primeira-dama em exercício Marcela Temer, a revista Veja proclamou que era “linda, recatada e do lar”. A matéria elogiava sua feminilidade, de acordo com seu lugar de mulher à sombra.
Parece, portanto, que o principal erro de Dilma foi ter tido ambições políticas. Inclusive me atreveria a dizer que seu pior erro foi ter sido mulher. Ponto. Alimenta essas suspeitas o fato de que, recentemente, o congressista Jean Willys tenha revelado à BBC que em Brasília havia escutado muitas vezes de colegas legisladores a expressão de que a presidenta é “incompetente porque é mulher”.
Rousseff, infelizmente, não está sozinha. A julgar pelo tom das críticas à norte-americana Hillary Clinton, parece que ambas as líderes sofrem do mesmo mal: fome de poder e autossuficiência. A condescendência masculina com as duas fica evidente no fato de que, para referir-se a elas, costumam-se empregar seus primeiros nomes.
O intenso machismo na política fica evidente com os motivos usados para criticar Clinton, que foi senadora e ministra de Relações Exteriores, além de uma aluna brilhante e advogada bem-sucedida. Poucas pessoas se prepararam tanto para ocupar a Presidência norte-americana. Não importa. O que se destaca dela é que foi primeira-dama, que deve tudo a seu marido, que não o abandonou quando este a traiu e que, de todo jeito, ela não cai bem, pois é fria e calculista. Não é tanto o currículo, mas sua personalidade.
Sobre Clinton foram escritos artigos descrevendo seu decote (no The Washington Post), a cor de suas jaquetas (Fox News), especulando sobre se fez botox (rádio KSFO) e seu estilo dominante (Bloomberg). Duas colunistas opostas, irreconciliáveis, como Peggy Noonan à direita e Maureen Dowd à esquerda, coincidem que Clinton “ainda deve demonstrar que é uma mulher” e que é “o candidato mais masculino”. Outro ponto de destaque desses despropósitos foi o de um comentarista da rede de TV NBC, que disse que Clinton tenta demonstrar que, “embora seja uma mulher, pode ser dura na defesa e aprovar ataques, não deixando as tropas de lado.”
Segundo parte da imprensa conservadora, algo similar está acontecendo com Angela Merkel, perdida numa deriva isolacionista, abrindo as fronteiras aos refugiados sem escutar os sábios homens de seu partido que a teriam levado a outro caminho. Não é só uma questão de princípios, mas também de estilo. Quantas vezes foi lembrado que a chanceler alemã tem 70 paletós do mesmo modelo em diversas cores, para exibir com calças escuras? Parece que isso é tão ou mais importante que seu ideário político, junto com essa personalidade austera, espartana, carente de carisma. Porque, de novo, é mais importante a personalidade que as conquistas profissionais.
Por outro lado, que adjetivo não terá sido utilizado com Theresa May, nova premiê britânica? Alguns exemplos extraídos das notícias em inglês: “resoluta”, “difícil”, “teimosa”, “imprevisível”, “moralista” e – o mais comum – “de ferro”, pois parece que, para liderar o Reino Unido, as mulheres devem se submeter previamente a um banho metalúrgico que as torne mais resistentes. O Daily Mail inclusive chegou a publicar uma ampla reportagem sobre como May não pôde ter filhos, afirmando que seu “olhar de aço nos enfrentamentos com os ministros” dava lugar a uma atitude “muito mais relaxada diante da mesa da cozinha”.
Com esses exemplos, é até compreensível que Margaret Thatcher, após chegar ao cargo de primeira-ministra, tenha decidido nunca deixar sua bolsa de lado e fazer anunciadas visitas ao mercado para ressaltar seu lado feminino. O mesmo foi feito por Golda Meir em Israel, que, como Thatcher, costumava cozinhar para seus ministros. E digo bem: ministros. Nenhuma das duas teve o detalhe de escolher uma única mulher para formar o gabinete.
Não se deixe enganar: não é que seja difícil para a mulher na política; é quase impossível. As que realizam seus objetivos não são apenas vencedoras. São quase sobre-humanas. Superaram os obstáculos externos e os seus próprios. A saber: serem masculinas ou femininas demais; temperamentais ou de ferro; teimosas ou muito fracas. Tudo isso suportando o escrutínio constante e minucioso de cada parte de sua vestimenta e aspecto físico. Pode ser que, dentro de meio ano, haja três chefas de Governo em três potências do quilate de Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Qualquer um diria, no entanto, que não avançamos nada em meio século.
O titulo faz referência ao clássico romance feminista espanhol de 1991, Como ser mulher e não morrer na tentativa
Acesse no site de origem: E não morrer tentando, por David Alandete (El País, 12/08/2016)